Dias atrás alguém me perguntou quando comecei a gostar de automotores; apesar de meu esforço sincero de alguns segundos, não consegui definir aquele dia no qual tive um estalo e passei a me interessar pelas máquinas que se andam pelos próprios meios. Obviamente, não é o meu único tópico de interesses (tenho outros gostos e interesses, mas como aqui é pra falar de automóveis, atenho-me a eles), mas é um tema que me persegue desde quando me entendo por gente.
Tanto que uma das minhas primeiras lembranças era de quando eu ouvia o urro inconfundível de um Scania - e sim, com menos de quatro anos eu sabia exatamente a diferença entre os Scania e os Mercedes-Benz, ao menos em questão de ronco -, saia correndo para a janela da sala para ver qual seria o caminhão ou ônibus que passava pela rua da minha infância.
A empresa que atendia as linhas do meu bairro (e outras do meu município natal, ainda hoje) comprou em 1988 o seu primeiro Scania, o modelo S-112CL, e enviou a plataforma à Marcopolo para que ele viesse em forma de Torino. Para além da primazia, ele tinha o balanço dianteiro (distância entre o centro da roda dianteira e a ponta do para-choques) muito menor do que a dos demais coletivos - e que era uma marca muito peculiar do S-112CL -, o que permita a instalação de um banco quase rente ao painel.
Lembro-me muito vivamente disso porque meu avô materno trabalhou como motorista naquela empresa e em ao menos uma oportunidade ele me convidou para dar um passeio até o centro de Floripa, enquanto ele guiava o bicho. E obviamente escolhi o assento mais próximo ao motorista...
Fiz esse passeio ao centro com meu avô ao volante várias outras vezes em outros ônibus (todos Mercedes-Benz), mas, dentre todas, a maior e mais especial é lembrança a do passeio neste carro de número 1093. O urro do Scania era mal abafado pelo capô de dimensões continentais, o câmbio de engates teimosos exigia paciência e certa habilidade, o freio motor tinha um ronco gutural que de longe se ouvia... Pura degustação automotiva.
Foto de Francisco J. Becker, divulgada por Diego Lip, no excelente site Onibus Brasil. |
A cena acima retratada é a do antigo terminal de ônibus da capital catarinense (inaugurado em 1977 e desativado em meados de 2003; hoje, sem os telhados, serve de estacionamento) e ao vê-la as memórias infantis e afetivas são muito fortes. Quase posso ouvir novamente o urro do Scania e quase posso ver novamente meu saudoso avô, cabelos e bigodes brancos sempre aparados, concentrado no duro ofício de tocar aquele Scania que me parecia ser uma máquina de outro mundo...
Meu primo, mais velho, lembra que quando o ônibus chegou não faltavam motoristas para guiar a máquina nova; um sorteio dentre os muitos candidatos escolheu o felizardo (e eram muito poucos que guiavam Scania na empresa). Meu avô ocasionalmente o dirigia, só quando alguém faltava, pois a linha dele - a mais longa de todas, exigia um carro mais curto, infelizmente. Depois que ele se aposentou, isso em 1996, o 1093 já se tornou menos desejável (muitos outros carros mais novos chegaram...) e a antiga placa WX-2739 de São José/SC deu lugar à chapa MAC-0799. E um acidente fez com que os faróis redondos originais fossem trocados pelos quadrados do Torino 1989, um upgrade bem acidental:
Foto mais recente, também de Francisco José Becker, esta divulgada no site Ônibus Brasil por Derles Borges Pichoff |
O tempo passou e apesar de bons serviços (e do sucesso inicial com o público, pois muita gente preferia andar nele em vez dos outros...) e o 1093 foi vendido pela empresa em 1999, com poucos anos de uso (e na época era fácil ver coletivos com mais de vinte anos na ativa); outra empresa da região o comprou e usou mais um tempo, certamente deve ter sido destinado ao ferro-velho depois disto. Nem preciso dizer que se tivesse dinheiro, compraria um destes só pra lembrar da infância e, mais ainda, de meu querido e muito saudoso avô, Santos.
Vocês podem imaginar o quanto de lembrança que me surgiu quando, ao vasculhar o excelente site da Anfavea - e aqui cabe sempre e sempre nosso melhor agradecimento por eles divulgarem tanto material legal conosco - e achar este catálogo da plataforma Scania S-112CL, justamente a que equipava o meu ônibus da infância, do exato ano em que ele foi fabricado, cuja íntegra segue abaixo:
O 1093 foi especificado pela empresa que o comprou com a suspensão metálica, o entre-eixos de 7,25m (o que fazia dele um ônibus bastante comprido naquela época) e o motor DN 11 01, com seis cilindros aspirados naturalmente que geravam incríveis 203 cv a 2.200 rpm: apesar de ser o motor standard, era muito mais potente que os OM-352 e derivados que a gente muito via nas ruas. E o urro, bem, você precisa ouvir uma vez na vida para saber do que estou a falar...
Vez ou outra ainda uso transporte coletivo e uso os serviços da mesma empresa para a qual meu avô trabalhava. Os veículos mais modernos dela tem suspensão a ar, fazem quase nenhum ruído e são mais potentes que o S-112CL. Mas não são nem um pouco divertidos, não como era o incrível 1093.
Lembro de ter visto alguns ônibus com carroceria Neobus Mega e chassi Scania já da série 4 com o balanço traseiro curto, inclusive um articulado. Infelizmente não cheguei a tirar fotos desses. Quanto a ônibus com chassi Scania em Florianópolis, até onde eu saiba a última empresa da região a usar chassi Scania de motor dianteiro e só 2 eixos é a Santa Terezinha, apesar que aqueles de 15 metros com motor traseiro e último eixo direcional tem mais presença em Florianópolis que em Porto Alegre. E eu nunca esqueço quando vi pela primeira vez um protótipo que foi testado em Florianópolis em 2001, com carroceria Marcopolo Viale pintada de amarelo e os dizeres "padron 15 metros".
ResponderExcluirAqui a Transol usou o F-94 até meados de 2018 (todos em carroçaria Busscar Urbanuss S); a Santa Terezinha teve também alguns F-94 (em carroçarias Marcopolo e dois Neobus, estes muito bons). Jotur teve um só, usado do Rio de Janeiro, que rodou pouquíssimo tempo.
ResponderExcluirScania, hoje, só a Santa Terezinha tem poucas unidades do F-230 compradas novas (são os únicos); os demais em uso são os com motor traseiro e eixo direcional (interessantes e com uma reserva de potência quase nunca utilizada).
E também lembro desse protótipo, ele passou por várias empresas e tinha a placa CYN-7922, era moderníssimo e chamava mais atenção do que um disco voador. Não andei nele, mas há fotos da passagem dele por aqui, é um tema bom para uma próxima postagem.
Grato pela visita e os comentários, sempre muito ricos.
Lembro bem dos F-94 na Transol, sempre com 3 portas, e aparentemente mais largas que as dos Mercedes-Benz com o mesmo modelo de carroceria, embora entre os Mercedes-Benz eu lembre de alguns com duas portas.
ExcluirA Transol teve uma série enorme de Urbanuss da Busscar, os Scania F-94 eram de três portas, os OF-1721M com apenas duas (um lote, inclusive, tinha o entre-eixos mais longo), além de unidades Volkswagen 16.210CO com a mesma configuração dos F-94. Até hoje sinto falta destes Scania, hehe.
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