domingo, 9 de novembro de 2014

Como fazer um Chepala (Motor-3) (Parte III)

Pondo termo à série sobre o maravilhoso Chepala, hoje é dia de postar a última matéria da inesquecível Motor-3 em que o JLV apresenta os detalhes dinâmicos do bicho. Aproveitem!

A capa da revista (n. 60, de junho de 1985) é dedicada ao Uno Turbo, máquina fantástica que só conheceríamos nove anos depois)
 



Por hoje é só!

domingo, 2 de novembro de 2014

Como fazer um Chepala (Motor-3) (Parte II)

Promessa é dívida, apresso-me a justificar. Semana passada prometi aos leitores que prosseguiria a série de postagens com as matérias da Motor-3, redigidas por José Luiz Vieira, com todos os detalhes para montar seu Chepala.

A edição de hoje, de março de 1985, detalha com riqueza de detalhes (inclusive com desenhos técnicos) as transformações que o até então pacato Chevette tem de passar para se tornar um garboso Chepala. Notem os segredos na acomodação do motor e na carroçaria, todos explicados pelo JLV.
A edição de março de 1985 da Motor-3 trouxe como destaque o lançamento da versão diesel do Carajás, carro extremamente sólido, um dos interessantes produtos da Gurgel.





Bem, na semana que vem concluiremos essa série, com os resultados dinâmicos do resultado. Posso adiantar que o Chepala é um bicho muito interessante...

domingo, 26 de outubro de 2014

Como fazer um Chepala (Motor-3) (Parte I)

Meus caros,

Cheguei a centésima publicação neste espaço. Por amor à verdade, reconheço que poderia ter chegado a este limite há muito tempo; mas, sabem como é, a vida é extremamente corrida e infelizmente não me sobram muitas oportunidades para redigir algo minimamente interessante. Mas renovo o compromisso de manter, tanto quanto possível, este espaço atualizado, com ao menos algum assunto pra gente prosear.

Pensei em fazer algo interessante nesta centésima conversa - e a vida me deu um belo empurrão: comprei de um gentil colecionador várias revistas Motor-3 para completar a minha coleção, e neste lote recebi as revistas que tratam de como fazer o Chepala.

Um dos princípios deste espaço é o compartilhamento de informações e novidades. Não poderia deixar estas revistas reclusas em meu acervo, esquecidas em um armário, quando, em verdade, poderiam ser úteis a mais gente. Partindo dessa premissa - importante premissa - começo uma série de três publicações sobre o Chepala -criação do José Luiz Vieira, personagem sempre homenageada neste espaço, como todos os grandes jornalistas que trabalharam na Motor-3.

Para homenagear a incrível equipe, o Chevette - matéria constante deste blog - e vocês, amáveis leitores que acompanham este espaço, segue esta centésima postagem:


O Chevette é um dos carros menos valorizados em termos de direção. Mas isso é uma tremenda injustiça... Está certo, o seu motor 1,4, conquanto muito econômico, poderia ser mais rápido, nem que fosse para tirar maior partido de sua incrível estabilidade direcional, ou da maravilhosa tração traseira. Mas é um carro extremamente divertido, playground para nenhum automobilista botar defeito, e com um preço inicial muito razoável. Tanto quanto é guiado na maciota, quanto em tocada mais firme, o sedanzinho se comporta muito bem.

Mesmo assim, é da natureza humana não se conformar com o bom - é necessário chegar ao ótimo. Pensando nisso, José Luiz Vieira, que dispensa maiores apresentações, criou o Chepala, não sem deixar de repassar, num ato muito generoso, todas as dicas de como criar um interessante carrinho, de desempenho capaz de assustar muita gente grande.

Sem mais delongas, vamos ver o primeiro dos três capítulos dessa feliz história:

Esta é a capa da primeira edição que tratou do Chepala. O Escort JPS, criado pela Souza Ramos, era uma versão reestilizada do Escort de primeira geração, superalimentada por um turbo - que deixava as coisas muito interessantes.







A edição aqui retratada, como vocês já viram, é a de Fevereiro de 1985 (n. 56). Aguarde as próximas postagens, ainda teremos muito o que mostrar!

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Propaganda da Semana: ITA Lassalle (1989)

Esse é um carro bem raro, digo isso logo na primeira linha do texto. E nem poderia deixar de ser, pois é um dos últimos carros feitos em fibra de vidro antes da abertura das importações ocorrida em 1990. Para ser preciso, o Lassale viu o mundo pela primeira vez lá em 1989.

Bem, não o acho exatamente bonito. Talvez não ganhasse campeonato de elegância de linhas, mas pretendia ser um carro muito luxuoso - algo que efetivamente cumpria. Também, pelo que custava (algo próximo de dois Santana GLS 2000), tinha de ser um carro esmerado.

O projeto lembrava um possante Mercedes conversível - e o estepe na traseira, protegido por um ressalto executado em fibra de vidro, lembra um pouco um Cadillac. Toda essa classe era empurrada por um vigoroso motor GM 250-S, o mais do que confiável motor do Opala seis cilindros, 4,1 litros de pura saúde. Todo o restante da mecânica - desde os freios até a transmissão (inclusive automática, se a requeressem opcionalmente) - deve ser GM.

Esta é a única propaganda que conheço do Lassale. (fonte:propagandadecarrosantigos.com)
Já o projeto da carroçaria é da ITA: um chassis formado tubos de aço, devidamente emborrachados, suportava a "lataria" de fibra de vidro. Os faróis eram do Monza, lanternas do Chevette, os vidros e as maçanetas do Opala - e a grade é uma forte homenagem aos classudos Mercedes-Benz daqueles tempos.

O Lassale, único veículo da ITA, não foi exatamente um sucesso. Não sei o número exato; acredito que não mais do que 25 unidades foram montadas - o que decretou o fim do único veículo produzido pela ITA Motores e Montadora de Veículos Ltda.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Propaganda da Semana - Ford Corcel II Van (1980)

Uma Belina II não é exatamente um carro muito raro - se você rodou hoje por aí, provavelmente topou com uma destas (eu mesmo vi uma hoje!). Porém, é preciso considerar que a versão pode ser muito rara, mesmo quando o automóvel é um sucesso de vendas. Este é o caso da Corcel II Van.

Curiosamente, a Ford, talvez por receio de vincular o nome da Belina - uma perua de pretensões familiares - a um utilitário, resolveu chamar essa versão da Belina de Corcel II Van. É, então, uma Belina, sem ser exatamente uma Belina. Caso muito curioso, portanto...

Bem, a Ford, lá em 1982, começou a sentir a concorrência da Fiat, fábrica que trouxe ao Brasil várias inovações, inclusive uma atrevidíssima picape, montada na base do 147 e carregava bastante peso, contando, inclusive, com uma versão fechada, a Fiorino.

Aí alguém da fábrica do oval deve ter pensado "ah, precisamos fazer alguma coisa!". A solução definitiva - a Pampa, versão picape do Corcel - só viria em 1982, e este era um intervalo de tempo muito longo para ser deixado em branco. Logo, a ideia foi natural: a Belina teve de ser convocada para o serviço pesado.

A carroçaria é a mesma da versão standard, sem luxos ou os frisos plásticos da versão L. Carro de trabalho não precisa de luxos, não é mesmo? O interior, pelo que se vê das raras fotos disponíveis por aí, é o mesmo da versão básica, com os bancos de encosto baixo (comuns àqueles tempos). Atrás deles, como medida óbvia de proteção, uma parede metálica até o topo dos bancos, completada por uma grade igualmente metálica.

O "salão de carga" é bastante simples: ripas de madeira no assoalho, para facilitar a entrada e saída dos objetos, forração lateral inteiriça, de material mais simples - e o curioso detalhe de que as janelas laterais eram substituídas por chapa, daí o nome van:

A única propaganda conhecida desta rara versão (fonte: propagandadecarros.com)
A suspensão traseira era reforçada - seguramente os pneus também eram; as rodas eram as mais simples da linha, sem o logotipo vermelho no centro do cubo. Opcionalmente, os motores, tanto a álcool quanto a gasolina, poderiam ser acoplados à transmissão de cinco marchas, excelente para trajetos rodoviários.

Todas estas vantagens se perderam em 1982, quando a Pampa foi lançada - esta com uma capacidade de carga muito superior, além da óbvia vantagem de carregar objetos mais volumosos. Vai daí que ela não vendeu muito, não mais do que mil unidades, até o ano de 1984, quando a Van entrou para a história.

domingo, 31 de agosto de 2014

Propaganda da Semana: Promoção concessionários Chevrolet (1977)

Não é de hoje essa história de promover vendas com brindes. Alguns são bem modestos; outros, porém, são muito interessantes, como este, cortesia da Hoepcke Veículos, Casa Royal e Waldemar Koentopp:

Publicada originalmente no Jornal O Estado, em alguma das edições de Janeiro de 1977.

Os noventa e dois ganhadores devem ter gostado muito da viagem, mas a corrida não foi lá muito boa para os brasileiros que correram: Fittipaldi em 3º, Ingo Hoffmann em 7º e José Carlos Pace em 8º. Carlos Reutmann, James Hunt e Niki Lauda formaram o pódio. Mesmo assim, 23/01/1977 deve ter sido uma data que os ganhadores não se esqueceram por muito tempo...


 


domingo, 17 de agosto de 2014

Propaganda da Semana - Volkswagen Sedan 1200

Escolher um carro novo dentre tantos modelos não é tarefa fácil; talvez não mais difícil do que conseguir comprá-lo. Afinal, são modelos importados, nacionais, importados que estão prestes a se tornarem nacionais, à parte os bons seminovos que aparecem no mercado de usados.

Mesmo quando se escolhe um determinado auto, é provável que ele tenha variadas versões; níveis de acabamento que se complementam com inúmeros opcionais, sem falar nas traquitanas eletrônicas e digitais, recursos de conectividade e interação com o comprador. Cada fábrica, ao seu modo, lança um acessório novo, um recurso inédito, sempre na eterna busca pelos clientes.

Mas, nas décadas passadas, as coisas não eram bem assim. Nos tempos em que esse avanço tecnológico não era tão sentido, coisas simples faziam a diferença. Acredite, o ar-condicionado, equipamento tão útil quanto importante (até mesmo em termos de segurança) só foi se popularizar recentemente. Vidros elétricos, alarme com mil e duas utilidades e entrada USB? Quando muito um bom rádio toca-fitas com autoreverse!

A Volkswagen, fábrica que sempre soube explorar muito bem a propaganda, vendia, nos anos 60, o Volkswagen Sedan, automóvel que todos nós conhecemos por Fusca, o simpático besouro, aquele que não tinha radiador e coisa e tal... Aquele carro, ainda que não tão moderno, era robusto e durável, motorizou toda uma geração a ponto de ser considerado - muito justamente - como automóvel ícone.

E sabem qual era um dos seus modernos recursos? A primeira marcha sincronizada:


Não, não ria. Naqueles tempos, câmbio totalmente sincronizado era artigo de luxo... O próprio besouro só teve a primeira sincronizada em 1961, coisa que o Dauphine nunca teve!
Se hoje reclamamos da falta de uma direção hidráulica, comandos elétricos e ar-condicionado, imaginem só como era dura a vida do motorista naqueles tempos...

quarta-feira, 16 de julho de 2014

E que tal um Voyage GTi?

Curiosamente, a Volkswagen, nos seus primeiros anos de Brasil, não queria se vincular à imagem de corridas, de automóveis mais esportivos. Mesmo o Karmann-Ghia, lançado aqui em 1962, não era vendido como uma alternativa esportiva ao Willys Interlagos, primeiro esportivo nacional.

Porém, com o passar dos anos, a fábrica alemã mudou de ideia, concebendo esportivos muito interessantes, como, por exemplo, o SP-2 (exclusividade nacional), o Passat TS (depois GTS e GTS Pointer), e os mais recentes Gol GT, GTS e GTi, máquinas interessantíssimas, de desempenho incontestável.

Quem não se lembra de um excelente Gol GTi, mesmo os das primeiras safras (1989), de desempenho elogiável, esportivo de essência?

Hoje, no entanto, não temos um esportivo forte na linha Gol. Alguém mais atento vai apontar "e o Gol Rallye?". Mas esta versão, em que pesem os seus respeitáveis 120cv, apesar de suas peculiaridades, não nos remete ao passado glorioso. Falta um modelo com mais tempero, sabe? Algo mais esportivo, com desempenho e estilo realmente diferenciados.

E pensando nisso, nessa falta que faz um esportivo de essência, abro o espaço para um dos nossos amigos, Antônio Quingosta, exímio artista, notável talento, teve a ideia de criar este excelente Voyage Sport:

Fica o apelo: pense com carinho, Volkswagen!

Desde o seu relançamento, não tinha parado para pensar como ficaria o Voyage com duas portas - e o resultado ficou ótimo. Das mãos do Antônio surgiu este interessantíssimo Voyage GTi. Notem as rodas esportivas, com pneus mais largos, de perfil baixo, pronta para curvas mais quentes.

Na traseira, o discreto aerofólio garante um visual mais esportivo, sem destoar das linhas discretas da carroçaria, atuando como prolongação da tampa do porta-malas. A dupla saída de escape é forte indicativo de que a mecânica é mais quente que o normal (que tal um 1,6 traquinado que renda uns 140cv - um turbo, quem sabe...), suspensão reforçada, mais dura, própria para um esportivo.

O acabamento interno poderia muito bem seguir a tradição do atual Golf GTi: materiais nobres, desenho discreto e funcionalidade total. E muito conforto, sim, porque um esportivo não precisa ser necessariamente um carro desconfortável...

Agradecendo mais uma vez a generosa colaboração do nosso Consultor de Estilo, fico aqui me perguntando: bem que a Volks poderia fazer um destes, não é mesmo?

domingo, 13 de julho de 2014

Propaganda da Semana: Ford LTD Landau (1972)

Se você quisesse um carro muito luxuoso, e tivesse muito dinheiro disponível, opções não faltariam. Em 1972, o mercado estrangeiro estava aberto, era possível importar carros do exterior, àqueles tempos, inclusive, tal como agora, era possível trazer ao Brasil qualquer automóvel, independente do seu preço lá fora.

Porém, quem pretendesse uma opção nacional, o comprador teria boas opções: o Chevrolet Opala De Luxo, obviamente com o motor de seis-cilindros, maravilha da engenharia, motor robusto (até hoje arranca suspiros demorados dos seus doos); o Dodge Dart De Luxo, com um motor igualmente excelente, V-8 altamente durável, andava mais do que seus pneus diagonais conseguiam suportar com certa margem de segurança.

A terceira opção estava na linha Ford: o Galaxie básico, modelo drasticamente simplificado (hoje muito raro, aliás), o Galaxie 500, versão de lançamento, com acabamento muito bom - e o Ford LTD Landau, o topo de linha, caríssimo carro nacional, o mais caro entre os de produção em grande série.

O LTD era de limited, carro com tiragem limitada, para poucos endinheirados. Claro, não se prestava para desempenhos esportivos, tampouco faria bonito em curvas muito quentes - mas era um carro muito confortável, referência até hoje em termos de maciez.



O comercial, filmado em cores, coisa muito rara naqueles tempos, dava uma ideia da utilização ideal do veículo, carro com status elevado, ideal para ir do ponto A ao ponto B esbanjando muita classe...

segunda-feira, 7 de julho de 2014

A história da Motor-3 Edição nº. 02 (Agosto de 1980)

Como todos nós sabemos, apesar de ter uma capa bem "tranquila", a recepção para nova revista de automóveis foi bastante calorosa, despertando a curiosidade de muitos dos automobilistas sedentos por novidades na imprensa automotiva nacional.

Para agosto de 1980 (mês em que a tradicional Quatro-Rodas comemorou vinte anos, com direito a uma edição especial suplementar, muito bem feita por sinal) a nossa querida Motor-3 trouxe um carrinho bastante interessante, o Chevette S/R, exercício de estilo promovido pela General Motors e trazido ao público pela primeira vez.

A capa tem desenho simples, mas não se enganem: tem muita informação boa dentro da revista! (foto: spinbrothers.blogspot)
Falando em primeira vez, essa edição trouxe uma tremenda novidade para o nosso país (e também da América Latina): Fernando de Almeida testou o recém-lançado Embraer 711ST, o Corisco II Turbo, aeronave montada sob licença da Piper. Aliás, se você gosta de aeronaves tanto quanto eu, dê uma passadinha neste link e conheça melhor esse fantástico monomotor.

A n. 02 consolidou o projeto Motor-3 de qualidade, com a acertava visão de não concorrer com as maiores e já estabelecidas revistas do ramo, mas de trazer um novo (e riquíssimo) ponto de vista sobre os automóveis - e trazendo outros universos igualmente fascinantes, como a náutica e o motociclismo.

A postagem foi breve, mas logo logo tem mais. Afinal, a edição n 03 também tem história pra contar...

domingo, 6 de julho de 2014

Propaganda da Semana: Volkswagen Gol Copa (1982)

Reconheço que não sou grande fã do futebol. Nada contra, absolutamente, é questão de gosto pessoal, mesmo. Apesar de torcer para alguns times, e eventualmente acompanhar a tabela das séries do campeonato brasileiro, não costumo me inteirar do assunto.

Contudo, gosto das Copas do Mundo. Claro, não perco as corridas de Fórmula-1, mas eventualmente paro para ver um jogo da Copa, partidas que, por sinal, costumam ser interessantes. Sabem como é, o evento tem seu charme, seu magnetismo, tanto que é capaz de chamar a atenção de um automobilista empedernido.

Pensando nisso, alguém da Volks teve uma ideia interessante: e que tal associar o nosso Gol à Copa? Sim, gol e copa são termos muito afins, um é direta consequência do outro - e o sucesso não poderia deixar de aparecer.

Além do mais, vale acrescentar mais um dado: hoje o Gol é um grande campeão, vendeu mais que o mítico Fusca, está à venda por 34 anos (ainda que, em sua essência, sejam carros tremendamente diferentes) e com público cativo.

Mas lá em 1982  a situação não era das melhores. O Gol nasceu discreto, pouco sucedido, vítima de um mirrado motor 1,3 refrigerado a ar, herança do simpático Fusquinha, donde o seu desempenho anêmico e consumo apenas razoável. A chegada do motor 1,6 (o 1600 "a ar") trouxe esperança à linha - e nada melhor do que uma série especial para levantar a moral do substituto do Fusca.


A copa de 1982 foi sediada na Espanha, donde o uso do espanhol no anúncio (fonte: propagandadecarros.com.br)

El Gol Copa era, em verdade, um LS 1600 com interessantes detalhes de acabamento, tanto internos quanto externos. Por fora, uma faixa exclusiva percorria a lateral, com o dizer "copa"em letras maíusculas. Para-choques com polainas plásticas, rodas de liga leve (utilizadas pela Parati e Voyage LS), um par de faróis de milha (um tanto vulneráveis às pedras e buracos do caminho), além de uma pintura azul-metálica bem bonita.

Por dentro, padronagem em desenho diferenciado, com detalhes de acabamento semelhantes ao Voyage e Parati mais equipados. No painel, um conta-giros (mal localizado) e um relógio. O volante, de tamanho menor do que o padrão, era o mesmo utilizado pelo Passat TS.

Dois detalhes curiosos: ao invés do nome da versão, a Volks providenciou o desenho de uma bola de futebol, item de acabamento bastante raro de se achar. O vidro traseiro também ostenta novidade, um adesivo escrito "copa" em sua porção inferior, detalhe semelhante ao utilizado pelo Gol GT tempos depois.

A série foi limitadíssima, poucos deles sobreviveram, os remanescentes são disputados a tapa pelos colecionadores (tudo bem, eles não se estapeiam, mas, convenhamos, é um carro bem desejado). E apesar de ser uma discreta tentativa da VWB, fez um tremendo sucesso: afinal, quantas séries especiais já foram lançadas mais de uma vez?

O Gol teve um começo difícil. Mas teve - e ainda tem - uma interessante e bem-sucedida história pra contar.

sábado, 14 de junho de 2014

Propaganda da Semana - Dodge Charger R/T (1974)

Se você estivesse lá em 1974, e pensasse em comprar um automóvel esportivo nacional, três opções seriam bem óbvias: O Opala SS, linhas fluidas, acabamento discreto e um excepcional motor de seis cilindros em linha, forte como um tanque; o Ford Maverick GT, linhas mais agressivas - mas harmônicas, um V-8 que até hoje arranca suspiros e memórias variadas; e, ao fim, o Dodge Charger R/T, linhas discretas, acabamento palaciano e um excelente V-8, o maior motor, em termos de cilindrada, jamais produzido no Brasil. Ah, tinha também o Puma GTB, recém lançado, belo desenho esculpido em fibra de vidro - e o coração dele era o já falado seis cilindros da Chevrolet. Outro carro e tanto.

Cada qual com suas virtudes e defeitos, é certo de que se você escolhesse qualquer um deles estaria muito bem acompanhado. Se eu tivesse alguns milhares de cruzeiros no já distante ano de 1974, a minha escolha seria esta:



Para 1974 - exatos quarenta anos atrás - a Chrysler preparou algumas surpresas para os fãs da linha Charger: ignição transistorizada  (não ria, naqueles tempos isso era uma novidade; esse troço de injeção eletrônica só veio em 1989 com o Gol GTi - ignição eletrônica era uma tremenda novidade naqueles tempos) e a transmissão automática com alavanca de comando no console. 

O que você não ouve da narração do Sérgio Chapelin é que a linha Charger '74 trouxe novas faixas laterais, em forma de "c", além da possibilidade, até então inédita na linha esportiva, de se encomendar o interior em outra cor que não fosse preto. 

O R/T 1974 é um companheiro de quem gosta de acelerar, motor praticamente indestrutível, acabamento esmerado, transmissão robusta o suficiente para aguentar o ótimo torque, sem falar que era o único dos esportivos com a opção, de fábrica, do ar-condicionado, equipamento importante em um país de clima tão severo quanto o nosso. 

Por falar no motor, ele tinha vocações muito esportivas, sem perder a elasticidade: o saudoso professor Expedito Marazzi, ao testar o modelo para Quatro-Rodas, engrenou a quarta marcha do bicho a 40km/h e acelerou até os 100km/h, gastando, para tanto, 11s. Um feito e tanto!

José Luiz Vieira e Paulo Facin, mais ou menos naquela época, pelo que contaram em alguma das 83 Motor-3, aceleraram um R/T até os 200km/h - velocidade em que os pneus 7,35 S 14 começaram a cantar desesperadamente. Ah, se fossem radiais...

Outros automóveis esportivos surgiram depois do R/T; alguns, inclusive, superaram as suas façanhas. Mesmo assim, quarentão, o Charger mais esportivo é um excelente "entorta-pescoços": arranje um destes e dê umas voltas, todos olham para ver melhor aquele flamante carro esportivo de ronco forte...

domingo, 25 de maio de 2014

Crônica automotora: "O Chevrolet do meu tio"



Como forma de comemorar as mais de trinta mil visitas ao meu modesto blog (reconheço que umas 800 são minhas), inauguro, hoje, um novo espaço, uma nova forma de veicular conteúdo neste espaço, até para honrar o título que orna esta página.
 Obviamente, não tenho pretensões de escrever textos muito bons; mesmo assim, compartilho com vocês, com o ardente desejo de que meus escritos não os farão dormir, uma pequena história sobre um Chevrolet 1952:

O Chevrolet do meu Tio

Eu tinha dezesseis anos, e me lembro se fosse hoje. Num canto obscuro da garagem do meu tio, amplo espaço que desde sempre foi atulhado de carros, móveis, guardados e uma infinidade de peças e ferramentas, um carro sempre me chamou a atenção. E olhe que lá havia muita coisa de qualidade reconhecida: Citroën DS e SM, Ford Landau 1977,um Volks Sedan 1500 1970, Buick Electra 1959, um Cadillac 1949, Porsche 911 RS 1973 (de um amigo dele, guardado por pouco tempo – mas lá esteve) e mais um ou outro possante que ele trazia para casa antes de vender.

"Este da foto é idêntico ao que meu tio tinha, andava muito bem esse Citroën SM, o motor Maserati deixava as coisas muito interessantes" (foto: Netcarshow.com)

"Quando criança, achava esse DS um bocado medonho; hoje, acho-o bonitinho! E como agarra nas curvas esse Citroën DS! (Foto: Wikipédia. it)
Mas a minha fixação era saber a razão daquele abandonado Chevrolet Sedan 1952, com pneus ressequidos e demasiadamente murchos, envolto por um encerado de caminhão, estar ali em meio aos maravilhosos automóveis. 

"Este era o motivo da minha dúvida, o Chevrolet 1952 que dormia perenemente na garagem do meu tio" (Foto: Chevy Old Car Manual Project. com)
Aos meus olhos de jovem entusiasta, todos os carros daquela garagem tinham muito mais valor do que aquele velho e empoeirado Chevrolet; por mim, claro, venderia o velho sedã para poder trazer um Passat TS novinho, ou, sonhando muito alto, um Puma GTB preto, carros capazes de fazer melhor uso do espaço, à parte o fato de, por vez ou outra, dar umas voltas no carro do tio...

"Quando tinha meus 16/18 anos, este era o meu sonho sobre rodas: Puma GTB S2 1979" (Foto: Puma Classic. com)
 Nesse climão de dúvida, propus para minha mãe: “vamos falar com o tio Carlos para ele se livrar do Chevrolet ’52, assim ele ganha mais espaço e...”. A frase não foi concluída, pois a minha mãezinha interviu secamente: “jamais diga isso, aquele carro é muito importante para ele”. 

Minha mãe é um doce de pessoa, em raras situações ela me responderia tão dura e secamente, a não ser que falasse uma grande besteira; e se eu fosse um pouco mais sensato, terminaria a conversa ali mesmo. Mas a curiosidade é um bichinho dos mais irrequietos, a mordida coça muito, não nos deixa esquecer-se das coisas... Deixei, então, com muito custo, a a pergunta para o momento oportuno. 
 
Costumava ir aos finais de semana na casa do tio Carlos, gostava de vê-lo mexendo nos motores e nas suas tralhas. Bastava pedalar por vinte minutos e lá estava a bela casa dele. 

Ele era médico-cirurgião, nas poucas horas livres respirava gasolina. Dirigia desde os 10 anos de idade, aos 16 comprou o seu primeiro carro e desde então não andou mais a pé. Andou muito de moto (aliás, ele sempre fala “motocicleta”, a ele não agrada o termo “moto”), até levar um terrível tombo, lá em 1976, quando quebrou a perna seriamente (inclusive com sequelas no joelho) e parou de guiar veículos com menos de quatro rodas.

Bem, tio Carlos vivia sozinho, era namorador, esteticamente compunha uma improvável mistura de Marlon Brando e Clark Gable, mas era essencialmente sozinho. Nas raras conversas familiares sobre o assunto, descobri que ele era viúvo, minha tia foi uma linda mulher, se foi muito jovem e meu tio jamais conseguiu superar a perda.

Sim, ele era simpático, alegre e sociável, mas um homem um tanto quanto fechado, talvez seco. Tanto era assim que eu, ao perguntar para ele sobre o Chevrolet, recebi um monossilábico “um dia eu te conto” e um aceno com a mão, convite indeclinável para sair da garagem e tomar o rumo da rua, onde estava um Opala 1975 recém-comprado que iríamos avaliar.

"O Opala que me aguardava no pátio era exatamente igual a este, um modelo básico, mas com motor de seis cilindros, carro bastante divertido - meu tio gostava muito dos carros com transmissão na coluna de direção" (foto: Quatro-Rodas, via Amigos do Opala.com)
No outro dia, ao voltar da aula, uma surpresa me aguardava. Era uma incógnita em forma de envelope, sem remetente ou destinatário,. Mais que depressa tratei de ver o que era – e do invólucro saíram algumas laudas datilografadas, espaço simples, sem erros tipográficos. 

A assinatura entregava: era do meu Tio, a mesma letra que ornava os cartões de Natal e os bilhetes do dia-a-dia. A história que ele me contou era esta:

“São Paulo, 27 de agosto de 1979.

César,

A atividade de vender automóveis para mim surgiu como meio para ter uma fonte de renda durante o tempo em que cursava a faculdade. Meu desejo sincero, posteriormente realizado, era de ser médico – e eu, interiorano, precisava de dinheiro para me manter na Capital do Estado. 

Não desejava uma vida de faraó, pois me acostumei com a vida simples e pacata do campo; mas, admito que uma fonte de renda não se despreza, como ensinava um velho tio meu, desgraçadamente avaro, morto aos oitenta anos, deixando aos seus herdeiros uma generosa soma de propriedades e títulos, além de um puído colchão que escondia cem contos de réis...

Com capital modesto, comecei vendendo os sedãs desprezados pela capital e valorizados no interior. O Chevrolet 1939, chapa grossa e motor robusto, era muito procurados. O Ford 1937 também era muito apreciado. Aliás, para ser honesto, qualquer carro razoavelmente novo e em honesto estado de conservação vendia muito bem – e assim fui reforçando as minhas finanças, permitindo-me viver com um salário bastante razoável.

"Na cidade, o Chevrolet 1939 era um táxi como tantos outros; no interior, um carro muito apreciado, extremamente robusto, perfeito para o serviço pesado e com classe suficiente para os passeios dominicais (Foto: Wikimedia)
Apesar de ter me formado médico em 1951, não consegui viver longe da minha agência. Pensei em vendê-la depois de abrir meu consultório, mas os amigos me convenceram do contrário: afinal, empregava cinco excelentes funcionários – cinco famílias se mantinham com aquilo tudo – e uma fonte de renda nunca se despreza...

Em 1954, três anos após a minha formatura, seguia firme nessa “vida dupla”, tanto como médico-cirurgião quanto “proprietário-vendedor-auxilar-contador-zelador-contínuo” da minha loja. Tempos duros, trabalhava arduamente, mas o esforço era generosamente compensado.

Eu me gabava – e ainda me gabo – de nunca ter feito sujeira na minha loja, de nunca ter logrado ninguém, quer seja em preço quanto ao produto vendido. Havia quem colocasse areia na transmissão para abafar ruídos, óleo exageradamente viscoso para mascarar falta de compressão nos cilindros do motor – e o golpe mais comum, o de retroceder, com muita generosidade, os quilômetros do hodômetro. Jamais fiz isso, de modo que as minhas (poucas) horas de sono sempre foram muito tranquilas.

Mesmo com uma loja eficiente e competente, a vigilância, em certa ocasião, falhou terrivelmente. Foi com um Chevrolet 1952, um Styleline Special 4-door imaculadamente preto, comprado de seu primeiro dono, um motorista tão inábil quanto desleixado: ao tentar regular o carburador do seu possante, o sujeito conseguiu espanar os delicados parafusos da peça, desregulando completamente o motor e estragando irremediavelmente a carburação.

"Este era o portfólio da Chevrolet para o ano de 1952. O conversível era bem interessante" (Foto: Curbsideclassics)
Ele me vendeu o Chevrolet com esta ressalva; sabíamos, de antemão, que o carro estava desarranjado, motor asmático, padecendo de uma “tosse comprida”, transmitindo vigorosos trancos ao menor toque do acelerador. E antevendo maiores problemas, trouxe o adoentado até à garagem da revenda, deixando-o aos cuidados do Nino, rotundo mecânico italiano, tão grande quanto habilidoso, diga-se.

Aliás, falando no saudoso Nino, (pena que você não o conheceu) há até hoje quem jure que ele seria capaz de consertar a Apolo 11 com apenas uma chave de fenda e um alicate de bico fino, sem o desajeitado traje espacial mesmo no Espaço, caso fosse necessário.

Mas, como escrevi, um pequeno erro aconteceu naquele dia. Num problema de comunicação (não que Nino falasse pouco – o homem falava com notável regularidade), o Chevrolet foi dado como reparado sem efetivamente ser, e então ele foi lavado, encerado, polido até a exaustão e repassado ao stand.

E um cliente, que tinha chegado num claustrofóbico Ford Anglia 1949, ficou deslumbrado com o sedã de chaparia tão preta quanto uma noite sem luar – e levou-o para casa, deixando o pequeno Anglia como parte do pagamento.

"Para mim, o Anglia é o 'Topolino da Ford', nascido para o pós-guerra (Foto: Philseed.com)
No outro dia, querendo andar no Chevy ’52, perguntei ao Nino se o carro estava pronto. Antes que o mecânico articulasse alguma sílaba (fleumático, ele tinha o hábito de inflar os pulmões antes de falar algo de subida importância), Geraldo, amigo-gerente, vem me chamar com cara de moleque travesso: “Carlos, acho que fiz besteira”.

Sim, ele fez: vendeu o carro errado para o senhor do Anglia, e o homem estava irritadíssimo ao telefone. Fui falar com o freguês, e notei, sem muito esforço, a imensa insatisfação do novo dono do Chevrolet.

Pelo telefone, o Sr. Rossi (um italiano recentemente radicado no Brasil, pelo que percebi do sotaque) me lançou pragas terríveis, maculou a honra da minha santa mãe e de todos os meus antepassados, duvidando, inclusive, da virilidade do meu pai. O ruim é que o homem articulava as palavras de modo rápido, aos borbotões, alternando ofensas de médio calibre com o relato dos soluços do carro, mal deu tempo de dizer algo.

Aliás, só consegui pronunciar quatro frases durante os dez minutos de ligação: “desculpe, senhor”, “minha mãe não tem culpa neste acontecido e meu pai é tão homem quanto eu”, “amanhã mesmo eu providenciarei os reparos necessários” e “até mais ver”. Quando pousei o telefone no gancho, procurei Geraldo para conversar amistosamente (ele era meu amigo, homem de confiança total, mas eu precisava impedir que isso tornasse a ocorrer), ele não estava, lembrou-se subitamente de um compromisso “logo ali” e “voltava logo”... 

Ocupado com os meus compromissos de médico, não recepcionei o cliente no dia seguinte – sim, ele fez questão de ir se desculpar pelo trato pouco lhano; mas o Manoel, o gentil vendedor da nossa loja, contou que o homem estava mais calmo com a solução do problema. E devolvemos a ele o Anglia até que o seis cilindros do Chevrolet roncasse como um digno motor de Rolls Royce.

Nino se empenhou até tarde, chegou a levar bronca da esposa pelo regresso tardio em casa (um álibi sempre utilizado, pelo que ele nos contava nos raros momentos de folga), mas o resultado foi primoroso. O lustroso sedã estava curado de uma “carburadorite crônica” e poderia ser devolvido ao dono sem medo de passar outra vergonha – e sem suportar o risco de levarmos uma surra do enraivecido sujeito.

No outro dia o carro ficou pronto, mas ninguém poderia levá-lo: Nino estava ocupado com um enigmático motor Rocket de um Oldsmobile; Geraldo estava na maternidade, sua mulher deu-lhe a primeira filha; César, o contínuo, estava tentando ajudar o neurastênico Nino na solução do bendito Rocket enguiçado; Manoel tinha de ficar no front de vendas – e sobrou para este que vos escreve levar o carro à casa do cliente.

"Esta é a linha Olds' 1959. Meu tia preferia os Chevrolet e o Buick Electra" (Foto: Oldcaradversting.com).
Anotei o endereço, era de uma interessante região de São Paulo, o bairro da Aclimação, hoje mais nobre do que era. E muito mais poluído e caótico, claro.

Lembro-me de que estava um tanto contrafeito por ter de procurar um endereço desconhecido, num carro recém-liberado pelo mecânico, antevendo o demorado sermão que levaria do cliente. O plantão da noite anterior me deixou muito esgotado, de modo que meu estado de ânimo não era dos mais inspirados.

Mesmo assim, dei a “volta olímpica” ao redor do Sedan, e como tudo estava em ordem embarquei, bati o arranque e os seis cilindros acordaram no ato, cheios de vida, carburador novo e meticulosamente regulado. 

Chamei a primeira marcha e ela compareceu alegremente para o serviço. A embreagem, macia como manteiga, colaborou também - e acelerei de mansinho, saindo fleumaticamente com o Chevrolet. Que carro bom de guiar, macio, caixa boa, freios bem razoáveis, suspensão honesta e motor torcudo. 
Era um dia belíssimo, céu de um azul imaculado, quase calor naquela manhã de outubro. Eram umas dez e pouco da manhã, e, enquanto guiava, meditava nas coisas mais simples da vida, pensando em como voltaria para oficina, onde almoçaria e como reagiria se o cliente exigisse que o negócio fosse desfeito. 

Lembro-me de ter tomado por duas vezes o rumo errado, tanto que tive parar num boteco, tomar um guaraná e perguntar de uma tal “Rua das Flores”, nº 20. O carteiro da região, que estava na quinta ou sexta “última-dose”, após tomar num súbito gole o que restava da cachaça do copo, disse que sabia o endereço, era a mesmo a Rua das Flores, a do seu Rossi. Ao consultar o meu papel, os caracteres disformes do meu contínuo não me apontavam com muita certeza o nome da rua, mas deveria ser essa. Tinha de ser.

Levemente sóbrio, o solícito carteiro me pediu a caneta emprestada e um papel ao merceeiro (era um boteco, mas à porta tinha uma tabuleta pendurada “Mercearia Miramar”), e me elaborou um mapa tortuoso, linhas obliquas que me levariam à residência do irritado freguês. Um colega de copo, mais sóbrio, ratificou as informações: era lá onde morava o tão falado cliente.

Agradeci, paguei mais uma dose aos novos colegas (o carteiro me abraçou vivamente, jurou fidelidade eterna por eu ter lhe pago mais um trago), e voltei o Chevrolet. Rodando devagar, levantando uma formidável quantidade de poeira, segui o arremedo de mapa, fiz curvas à esquerda e à direita, passei pelo posto de polícia e pelo ponto de ônibus – e eis que chego à Rua das Flores, assim chamada porque florida, lindamente ajardinada, tão bela quanto distante da minha loja.

Estacionei na frente da casa, e mais que rapidamente desembarquei. A rua era larga e pacata, calçada de paralelepípedos recém-assentados, a julgar pela areia espalhada pela via. Velhas senhoras paravam a sua conversa para me ver abotoar o paletó, duas crianças jogavam futebol, pespegando chutes ameaçadores naquela velha bola de capotão, pesada como chumbo, quebraria uma vidraça do carro... Fiz cara de bravo, ameacei reclamar e os meninos foram embora, trataram de brincar longe dos flancos do encerado Chevrolet.

Notei que a rua formava uma interessante vila, de casas muito parecidas e de desenho esmerado. Uma autêntica vila francesa, daquelas que lia em revistas importadas que eventualmente paravam em minhas mãos, cortesia de uma velha tia reumática, francófila até a raiz dos cabelos encanecidos.
A casa número 20, do seu Rossi, era especialmente bela, imaculadamente branca, com linhas simples e com um pequeno alpendre na frente. Construída nos anos 30, tinha janelas grandes, pintadas em um vivo azul marinho, que compunham um visual agradável. Do jardim da frente brotavam um variado sortimento de flores, caleidoscópio de cores e de aromas, espetáculo primaveril. Quase consigo sentir o cheiro daquelas rosas enquanto escrevo para você estas linhas...

Lembro que bati palmas até quase esfolar as mãos; só parei quando apareceu um rapazola com uniforme do colégio, camisa muito engomada, gravata borboleta algo apertada, calças curtas e um sapato muito lustroso. Sobressaltado com a minha presença (eu era um estranho, reconheço), disse a ele quem era e a que vinha. Mostrei-lhe as chaves do carro, balançando-as no ar como se fosse um pequeno sino.

O rapazinho, Luigi era o nome dele, fez uma expressão muito grave, talvez pomposa, e me convidou para entrar. Disse que o pai não tardaria a chegar, e que a mãe dele poderia me receber.
Antes que pudesse guardar as chaves no bolso, me lembrei de um velho conselho do meu pai “se fores à casa de um cavalheiro – e só a sua senhora estiver na casa, espere na rua até que ele volte; manda a prudência que o dono da casa apresente o imóvel e aos seus” e preferi os jardins do alpendre.

Meu pai não era machista, ao contrário! É que ele, quando candidato a vereador, teve a triste ideia de fazer política na casa de importante figurão – e ele ficou muito zangado ao ver a animada conversa do meu genitor com a simpática senhora, a ponto de expulsar meu velho sob a mira de uma garrucha. Não fosse velha a munição, meu pai teria sérios problemas ao lidar com a formidável quantidade de chumbo que entraria em íntimo contato com os seus miolos...

Por essas e outras preferi o jardim, e nele fui recebido pela amável anfitriã, a senhora Rossi. Disse-me que o dono da casa saiu para resolver pequeno problema em uma das casas da belíssima vila (ele era dono de tudo aquilo, pelo que deduzi naquele instante) e não tardaria.

Nesta altura dos acontecimentos, o relógio marcava algo perto das onze e vinte da manhã, e pude sentir o agradável cheiro do almoço que fervia nas panelas – logo, nada mais natural do que deixar a simpática anfitriã cuidar da pasta e me deixar ali mesmo, sem maiores cerimônias. Além do mais, não seria nem um pouco desagradável ser convidado para dividir aquele almoço de cheiro tão promissor...
Sem a Dona Rossi, aliás, fiquei muito à vontade, mesmo sabendo que o Luigi me espiava pela fresta da janela, talvez com medo de que eu que pisasse nos canteiros e arruinasse a grama verde que crescia viçosa, ou, pior ainda roubasse a sua cintilante bicicletinha nova. 

"Se eu fosse criança naquela época, amolaria a paciência dos meus pais até que eles me desses uma destas, Peugeot Balonete - e você acha que a Peugeot só fazia automóveis? (Foto:bikeveiaklub)
Dentre as muitas belezas daquele jardim, deixei-me contemplar por uma rama de rosas-mosqueta, aliás, as mesmas que a minha mãe cultivava. Pela primeira vez em muito tempo, lembrei-me da infância, das traquinagens de moleque pequeno, de como era feliz e sabia, e todas estas recordações fáceis que nos ocorrem nestes momentos.

Antes que eu pensasse em mais alguma coisa, apareceu uma senhorita. Não, uma bela senhorita. Melhor, uma musa renascentista em pessoa, anja em carne e osso. A mais deslumbrante mulher que jamais tinha visto na vida.

Era uma bela mulher de metro e setenta, melenas negras cobertas por um lenço igualmente preto, mas com bolinhas brancas; aliás, vestia-se à moda da época, mas com muita graça e simplicidade.

O rosto dela tinha traços suaves, agradabilíssimo, nariz levemente arrebitado (charmosissímo, por sinal), malares altos encimados por um deslumbrante par de esmeraldas, olhos verdes brilhosos e aguçados. Moldura perfeita: um sorriso franco e luminoso. E uma voz doce, canto de sereia, a entoar algumas palavras para mim, à esta altura já completamente apaixonado:

 – “Então o senhor vendeu o carro para o meu pai?”, perguntou docemente a anja materializada. Respondi afirmativamente, com gestos rápidos e atrapalhados, gaguejando algumas palavras, pois fiquei em perfeito estupor ao vê-la – seria impossível ser indiferente à ela, garanto.

- “Gosta de rosas?”, perguntou-me. “Elas me lembram da infância, principalmente estas rosas-mosqueta, meu pai as plantava para minha mãe”, respondi, mais refeito.

Antes que pudesse falar algo a mais, ela espalmou a mão direita para mim, dedos delicados e finos, certamente de exímia pianista. Era um franco sinal para que eu esperasse. E eu esperei, esperaria até a eternidade, caso fosse.

Mas o ponteiro que marca os segundos do meu Seamaster não deu duas voltas completas e ela reapareceu com um vaso nas mãos. Delicadamente, juntou terra do jardim, fez uma cama para acomodar as sementes – e ergue-o, sorriso mais radioso deste mundo, e me presenteia com o vaso.
“Puxa vida”, pensei, “nem tem dez minutos que ela me conhece e já me deu um belo presente!”. 

Quando estendi as mãos para segurar o vaso, houve o natural toque de mãos, e pude sentir o toque mais cálido da minha vida, ainda tão delicado quanto a mais pura seda. Ao olhar fixamente para os olhos dela, vi que aquelas esmeraldas eram o farol da minha vida. E tive a redobrada certeza de que aquela não seria a última vez que nos veríamos.

Por conta do Chevrolet, meu sobrinho, conheci a mulher da minha vida. Tive de arranjar os maiores pretextos para tornar à casa do Seu Gianni Rossi, escudado na maior desfaçatez desse mundo, mas, sempre que possível, tornei à Rua das Flores, para ver a minha maior flor, Margarida.

Sim, era a sua tia, Margarida, tão bela quanto a flor, tão frágil quanto. Fomos intensamente felizes, casamos e aquelas esmeraldas me iluminaram por anos a fio. Até que um dia a luz se foi, apagada por uma bruma de tristeza, arrebatada que foi pela morte, influxo egoísta dos Céus, que, ao se aperceberem da angelitude de sua tia, levaram-na embora.

Fiquei eu, então, juntando os retalhos da vida, pequenos pedaços de lembrança, recompostos diariamente. Ao ver o Chevrolet, quase posso ouvir a voz dela naquele dia, ou lembrar os momentos felizes que passamos a bordo deste importante sedan.

Por isso, meu sobrinho, mesmo dezoito anos depois de ela ter partido, eu mantenho o carro como estava no dia em que ela nos deixou. Pois ainda sinto, com inquebrantável certeza, de que ela ainda aparecerá pela porta da cozinha, linda e risonha, gritando o meu nome e me convidando para ir a Santos.

Se eu pudesse, trocaria tudo, o mundo todo, só para tê-la novamente em meus braços, uma vez que fosse. Como não posso, deixe o Chevrolet onde está. É lembrança boa de tempos idos, e deixemo-lo assim”.
Ao ler a carta, não nego, fiquei com os olhos marejados. Passei a respeitar o Chevrolet do meu tio, porquanto guardei a lição de que um automóvel, por mais que seja apenas um objeto, consegue guardar tantas lembranças felizes – como se máquina do tempo fosse. 

E compreendi o motivo pelo qual meu tio, apesar de totalmente desligado dos assuntos de decoração e paisagismo, cuidava tanto daquelas belas rosas-mosqueta que cresciam nos jardins da casa dele...