domingo, 31 de dezembro de 2023

Catálogo da Semana: Citroën GS birotor (1974)

Acho que sou um citroentista desde moleque. Não sei bem o motivo, mas os carros desta marca sempre me chamavam atenção adoidado. Nos meus tempos de infância, um XM era deliciosamente raro e belo de ser visto. E em meu bairro havia um sujeito imprudente o suficiente para ter um BX preto com a suspensão em dia, apesar dos inúmeros buracos...

Ver aquele BX subir a suspensão logo depois de ser ligado, ganhando preciosa altura sem esforço ou gemido, foi um espetáculo tecnológico inesquecível para meus onze anos. Hoje sei que até um ônibus pode fazer isso, mas esse tipo de demonstração era facilmente impressionável para um moleque que não tinha internet e só conhecia, vagamente, aquele carro de algumas revistas antigas.

Sei que muitas pessoas reclamam da complexidade mecânica dos Citroën; outros tantos reclamam do alto custo das peças e da mão de obra para os reparos e concordo com as duas assertivas. Mas não estou aqui para falar do que já se sabe, do que se ouve falar de alguém que ouviu falar... O óbvio não me move e a fábrica, ao menos nos seus tempos mais idos, a fábrica não era nada óbvia. 

Não é a de hoje, que mal embala um Kwid para viagem e dele faz um C3; é a de ontem, aquela fábrica suficientemente ousada para colocar em produção um carro avançado por si só, com desenho atípico e um motor Wankel. 

Lançado em 1970, o GS contava com a famosa suspensão hidropneumática (melhor seria dizer oleopneumática, pois se usa óleo em vez de água, mas vocês entendem, certo?) e tinha um desenho que não tinha nada muito semelhante. Bonito pra mim seria uma palavra forte para definir; diria, muito pessoalmente, que é um carro instigante, até harmônico. Feio não é, com certeza... 

E se o arrojo das formas e da mecânica, os franceses não se contiveram e em 1973 (como modelo 1974) trataram de aplicar um motor do tipo Wankel de dois rotores (cada qual com cilindrada exata de 497,5 cm³, mas com a cilindrada equiparada pelas regras internacionais ao dobro da capacidade, para ser justo com os motores de quatro tempos convencionais). Essa delícia giratória alcançava 107 cv (pelas normas DIN) a 6.500 rpm e não ser parecia nada com o que até então se tinha no portfólio da Citroën.

Tanto era novidade que a revista Auto Esporte dedicou algumas páginas para falar dele, conforme se pode inferir da íntegra da matéria publicada na edição de novembro de 1973 (cinquenta anos atrás!):



E enquanto editava esta postagem, encontrei no sensacional Old Car Manual Project  - cuja visita nós muito recomendamos - o catálogo que a fábrica lançou no final de 1973 para mostrar aos interessados todos os detalhes dessa excêntrica e fabulosa novidade (vá lá que o Ro 80 já era conhecido na Europa, mas motor Wankel na Citröen era novidade), na medida para encher os olhos de qualquer entusiasta:


















Se o motor do GS padrão era a parte mais chata dele, bem, isso seria resolvido com o propulsor birotor. A aposta foi alta e arriscada, mas não deu certo... É que o GS assim equipado custava uma fortuna, consumia combustível de forma não muito contida (em plena crise do petróleo) e os problemas sérios que assombraram o Ro 80 (resolvidos, posterior e tardiamente) apareceram no Wankel da Citroën, que logo se mostrou ter defeitos crônicos que exigiam alto custo de reparo. 

Apenas 847 GS desse modelo fantástico foram feitos até o ano de 1975 e muitos dos poucos feitos foram recomprados pela fábrica para serem destruídos. Um recall sem precedentes da fábrica, que preferiu destruir do que dar manutenção. Algum sobrou? Sim, mas são raros, verdadeiras joias problemáticas altamente maravilhosas.

Pode ter sido uma enorme ousadia (talvez temeridade), mas há cinquenta anos atrás a Citroën não tinha medo da ousadia, algo que hoje, por mil motivos, passou a ter...

sábado, 16 de dezembro de 2023

E a primeira Kombi? (1966)

Quando criança (e isso já faz um certo tempo), ver uma Kombi nas ruas não era algo raro, atípico. Por se tratar de um utilitário - um carro com ampla vocação para o trabalho rude em circunstâncias rudes -, não se esperava da Kombi muito conforto, mas a capacidade de transportar do ponto A ao B uma tonelada de carga gastando (relativamente) pouco combustível e sem muitos aborrecimentos mecânicos.

Por isso, eu as via transportando alunos para escola (e nisso foram desbancadas pela Besta, Topic e outros utilitários diesel altamente competentes), transportando compras para quem fosse ao supermercado (o Superbem que era do meu bairro tinha uma perua dessas), levando cartas e encomendas para os Correios, servindo de mercado ambulante (para vender frutas, verduras, vassouras e o que mais pudesse imaginar), de oficina móvel (chaveiro, inclusive) e tantas outras atividades que se possa imaginar.

Naquele tempo, pelo grande uso das Kombi, as mais antigas (pré-1976) eram as mais surradas e não muito valorizadas; não tem dez anos atrás ainda via duas destas fazendo fretes pela capital catarinense depois de muito trabalharem na vida, então fiquei surpreso ao perceber a alta valorização delas nos últimos anos. Se antes alguém venderia por quilo no ferro velho uma Kombi das clássicas, hoje elas valem mais do que uma mais nova e em perfeito estado, mesmo perto de um estado de sucateamento...

Se é certo - ou não - o fenômeno que inflacionou o preço das veteranas peruas, deixo a quem lê a resposta; mas me parece certo concluir que a Kombi tem alto valor histórico e de mercado, sobretudo as antigas. E imagine só o valor (nos dos aspectos) da primeira produzida no Brasil! Imensurável.

E cadê a nossa primeira Kombi? Não sei, infelizmente. Mas posso confirmar que ela foi muito bem usada depois de ser vendida, como indica a reportagem que a revista Automóveis e Acessórios publicou em sua edição n. 251, de novembro de 1966, gentilmente digitalizada pela Biblioteca Nacional:


Será que ela ainda existe? Eu mesmo me fiz essa pergunta várias vezes depois de ter lido a matéria e a chance dessa Kombi 1957 de chapas 40-00-66 da Guanabara (sim, Guanabara!) ainda existir é remota. Mas, como se trata de um veículo histórico, talvez um dia alguém tenha notícias e até restaure para voltar à antiga glória, quando foi fotografada com o 00001 na frente da linha de produção da VWB.