sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Um Santana com um i a mais (1991)

A história é antiga e amplamente divulgada, mas é necessário resgatá-la, ao menos em parte, para um breve contexto: depois de longos anos de restrição - e não proibição - à importação de veículos, o governo federal resolveu reconsiderar a antiga política protecionista e abriu os mercados às novidades do exterior. Valia tudo naquele começo de 1990, desde as afamadas BMW até os Lada, passando por uma miríade de veículos importados de modo independente (e sem a necessária adequação à realidade nacional de piso e combustível). O importado tinha status. Mesmo os Lada, acreditem.

O Laika - versão moscovita do Fiat 124 - vendeu até que bem. Não pela tecnologia, mas pelo gosto de novidade e o inegável apelo de ser importado (foto: Mário Villaescusa, revista Oficina Mecânica)

Porém, não podemos esquecer de que a economia nacional vivia tempos não muito promissores. A inflação acumulada no ano de 1990 foi de exatos 1.476,56%, isso mesmo com a ideia brilhante e pouco usual de confiscar o saldo de cadernetas de poupança. Sim, o saldo acima de NCz$ 50.000,00 foi confiscado pela União Federal com a promessa de que seria devolvido em 12 parcelas iguais com correção monetária e juros de 6% ano ano. Esta a enésima tentativa desesperada de melhorar as coisas. Em vão, como vocês devem imaginar...

Faço esse breve contexto para você, que não viveu essa época, entender melhor o motivo pelo qual o automóvel não era tão difundido como hoje. Ter um carro em casa era uma experiência de poucos lares. Sim, as pessoas faziam consórcio para comprar um videocassete com quatro cabeças, esperavam anos na fila de espera para comprar uma linha telefônica (fixa, aliás), imagine então ter um veículo novo! Isso ajuda a explicar o contexto socioeconômico do comecinho da década de noventa do século vinte, e imagine vocês a dificuldade das fábricas locais para tentar vencer a concorrência dos importados.

Sim, pois a carga tributária bastante alta, o empobrecimento geral do mercado consumidor e o preço final elevado do produto tornavam difícil o retorno dos necessários investimento se acaso as fábricas encarassem mais projetos, então o jeito foi apertar os cintos, fazer cálculos e remoçar os veículos (e lançar tudo aquilo de novo que estivesse ao alcance). Há quem discuta o resultado de alguns trabalhos, mas, sinceramente, a adoção de novo desenho frontal e traseiro do Santana foi muito interessante, até porque o interior também recebeu altas doses de conforto, salpicadas com boas tecnologias.

O Versailles, que puxa a fila no slalom, é uma versão Ford do Santana, que segue em último. Entre ambos, o Monza, com frente e traseira renovadas no final de 1990. Foto do saudoso Marco de Bari, Quatro Rodas.

Quem tinha bons dólares na conta (sim, dólar era quase uma segunda moeda corrente, mais segura do que o padrão monetário vigente naqueles tempos - mudamos tanto de moeda que se você perguntar pra alguém qual era a moeda em 1991, por exemplo, haverá dúvida no ar) poderia investir em um bom carro, à exemplo do Monza Classic (igualmente remoçado na frente e na traseira), do Ford Versailles (uma releitura Ford do Santana renovado) e do Tempra (esse sim era novo de fio a pavio). 

E se você gosta da Volkswagen e não abre mão da marca o Santana serviria muito bem você, especialmente a versão GLS com quatro portas - novidade do final de 1991 para o ano de 1992 (note que a Quantum renovada só veio efetivamente em 1992) - e recheada com muitos opcionais, justamente a que foi testada pela turma da revista Oficina Mecânica na edição n. 62:






É interessante notar que a injeção eletrônica custava caro e era instalada como opcional (Monza e Versailles também eram assim; o Tempra demorou um pouco mais para ter esta opção, mas se redimiu da falha com o interessante motor multiválvulas). Entretanto, além do status de ter a letra "i" nos logotipos, o motorista aproveitava uma potência maior e um consumo um pouco mais contido, além da contribuição para um menor nível de emissão de poluentes, tema importante desde então.

Porém, há um fato interessante que a reportagem não menciona, mas a gente aqui deve destacar. Sempre prestei atenção nos Santana desta geração (eram novos e chamativos quando estava na infância) e não me lembrava dessa configuração de pintura vermelha metálica com interior bege, as mais usuais eram as de interior preto e as raras bege geralmente eram marrom metálico.

Curioso e um tanto obcecado com nomes de cores e combinações cromáticas, fui até o excelente site Sampa Kombi Clube (recomendo fortemente a visita!) e lá encontrei a tabela de cores da Volkswagen para o ano de 1992, lá gentilmente disponível, e percebi que o vermelho montana - a cor do Santana testado - não estaria disponível para o Santana GLS quatro portas, bem como o revestimento interno bege apenas seria vendido para as famosas cores bege Senegal e verde Pantanal, ambas metálicas:

Pequena montagem feita a partir do arquivo disponível pelo excelente site Sampa Kombi Clube

Claro, a unidade avaliada pela revista é uma das que a fábrica destina às avaliações da imprensa, por vezes com configurações não exatamente encontradas no mercado geral; porém, não ficaria tão surpreso ou incrédulo se visse mais de um Santana com uma configuração além das que a tabela de combinação poderia prever: afinal de contas, quem tinha dinheiro naquela época poderia desembolsar um pouco mais e esperar mais um tanto para ter um carro exatamente do seu jeito. E cá pra nós, o vermelho montana com bege me agradou, e a você?

10 comentários:

  1. Hoje desse Santana Robocop me chamam ainda mais a atenção os com duas portas.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não conhecia esse apelido, hehe.
      Mas os duas portas realmente estão ficando mais raros, dia desses vi um Santana CD 1986 duas portas meio cansado da vida, até fiquei surpreso de vê-lo rodar!

      Excluir
    2. De vez em quando ainda tenho visto Santana quadrado de duas portas, geralmente em bom estado mas com rodas de tamanhos diferentes do original. Até porque pneus aro 13 em algumas medidas que eram usadas em carros médios estão ficando mais difíceis de encontrar.

      Excluir
    3. Pneus não andam baratos e nem fáceis de achar: tive de procurar em mais de seis lojas para achar um par de 165/70R13 para o Mille (com preço razoável); acho que a Pirelli nem os vende mais (que dirá o 145/70R13 original).

      Lembro que o Monza usou o 185/70R13 e por aqui não era uma medida muito fácil de achar (um conhecido que tinha Monza na época fez uma viagem a São Paulo e casualmente achou muito por lá), hoje deve ser pior ainda e mais caro, daí o uso do aro 14, até mais barato.

      Excluir
    4. Os últimos carros que eu vi com pneus 185/70 R13 e tive como verificar tanto a medida quanto se o fabricante era de boa qualidade foram o Monza hatch azul que participou da reinauguração da Ponte Hercílio Luz e um Fusca modificado. Ambos com pneus Firestone. Quanto à medida 145/80 R13 do Uno Mille, que nos últimos anos de produção já havia passado a usar 165/70 R13, a Pirelli tem a medida só numa linha específica para carros "de coleção" vendida a peso de ouro.

      Excluir
    5. Agora terei de programar a troca do par de pneus traseiros do Mille e vou pesquisar bastante, mesmo as medidas mais usuais estão escassas e absurdamente caras. Firestone 185/70R13, mesmo, só conheço os do Monza Classic do meu primo, já bastante antigos e terão de ser trocados oportunamente depois da reforma, hoje já devem custar uma boa nota. Talvez mais do que as rodas de liga originais.

      Excluir
  2. Sim Douglas, muito bonito mesmo esse Santana com essa combinação de interior ! Eu tive um Santana 87 da primeira geração, era um foguete pra andar, marrom metálico com interior igualmente marrom em veludo, adorava acelera-lo, andava muito mais do que os Monza 1.8 da época. Esse com injeção eletrônica era ainda mais potente e sem os engasgos possíveis com o carburador.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Imagino que mesmo o Santana 1,8 deve andar bem (e essa combinação marrom metálico com interior marrom é a minha preferida em Santana, via muitos GLS assim e se pudesse já teria um daqueles desde a época,hahaha)

      E a injeção eletrônica realmente foi um grande avanço: rodo até que bastante com meu Mille Eletronic e ele é sensível à gasolina (dia desses abasteci e o carro tossiu até a última gota da gasolina batizada), fora que dá mais manutenção e nem todos os mecânicos gostam de mexer com carburador (alguns recusam).

      E um Santana 2000i deve ser um foguete de andar!

      Grato pela visita e o comentário, sempre muito enriquecedor! Grande abraço!

      Excluir
  3. Pena essas Marca d'água exageradas que tiram um pouco o brilho das imagens, parabéns pelo trabalho.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Justifiquei, em postagem oportuna, o uso da marca d'água.
      Grato pela visita.

      Excluir

Este espaço está sempre disponível para a sua contribuição. Fique a vontade e participe, será um prazer ler - e responder - seu comentário!