sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Um Dodge V-8 para curtir com a turma: Marcopolo Veneza Dodge D-900 (1977)

A Chrysler do Brasil, apesar das dificuldades financeiras, sempre se revelou uma empresa das mais inventivas: um bom exemplo se traduz na pesquisa do uso do álcool hidratado como combustível para seus motores, isso na alvorada do Programa Nacional do Álcool - Proálcool, iniciativa deflagrada pelo então governo Federal por meio do Decreto n. 76.593, de 14-11-1975.

Naquele mesmo ano a fábrica do pentastar - com o apoio técnico coordenado pelo Centro Técnico Aeroespacial - CTA, à época sob a responsabilidade de Urbano Ernesto Stumpf - fez os ajustes necessários ao uso da novidade no motor 4 cilindros do Dodge 1800. E em companhia de um Volkswagen 1300 e de um Gurgel (outros companheiros da iniciativa pioneira), um exemplar do Doginho percorreu no final de 1976 mais de 8.000km em um teste denominado "I Circuito de Integração Nacional":

Apesar das prováveis dificuldades com o maior poder corrosível do álcool, o Dodge 1800 saiu-se bem na prova de mais de 8.000km. Atrás dele, um Gurgel Xavante que também participou do teste.


Ainda bem que esse interessante Dodge 1800 sobreviveu para nos contar a história! (Imagens extraídas do excelente: http://antigosverdeamarelo.blogspot.com/)

Interessante que nos registros oficiais (consultados via Sinesp) o Dodge aparece como modelo 1977: o mais plausível é que o Dodge 1800 de chassi n. 47.450 seja um pré-série fabricado em 1976 modelo 1977, especialmente porque a cor azul não consta da paleta de cores oficial da fábrica naqueles dois anos modelo!

Os resultados dos estudos capitaneados pela fábrica - cuja responsabilidade recaiu sobre a equipe do engenheiro Clóvis Michelin - também apareceram apareceram na edição de 08/1976 da revista Quatro Rodas:

Notem que o motor desse interessante Dodge 1800 1975 Gran Luxo branco valência ainda usava o interessante carburador SU

Flávio Vincenzetto não teve autorização do CTA para aferir o desempenho dinâmico (inclusive consumo) do Doginho, mas constatou que a dirigibilidade parecia não estar comprometida com o uso do álcool.

E além do propulsor menor, a Chrysler do Brasil também trabalhou na adaptação do seu V8 ao novo combustível vegetal, conforme vemos estas imagens destes exemplares de 1981, todas localizadas por meio do buscador do Google:

Um interessante Dodge Dart sedã a plena carga para testes com o combustível vegetal

Este Polara GL certamente já lidava bem com o álcool, até porque esta nova tecnologia já estava nas ruas há dois anos pelas mãos da Fiat e da Volkswagen

Pena que a Chrysler - inclusive a matriz americana - atravessavam tempos muito difíceis e a fabricante deixou de produzir seus Polara e Dart em 1981 sem lançar uma versão etílica, uma triste injustiça com esta pioneira que somente se explica pela falta de recursos... Mas ao menos o confiável V-8 foi aproveitado pela Volkswagen Caminhões em alguns dos modelos de caminhão Dodge (além dos novos cargueiros com seu nome), à exemplo deste interessante E-21, lançado em setembro daquele ano:


Note que a potência com o uso de etanol era até bastante apreciável; contudo, o consumo em solicitações extremas poderia ser mensurado em centenas de metros por litro, daí porque o uso de tais cargueiros ficou restrito à indústria sucroalcooleira (catálogo publicado no saudoso site Caminhão Antigo Brasil)

E se a Chrysler do Brasil trabalhou entre os anos de 1975 até 1981 na utilização do combustível derivado da cana-de-açúcar para mover automóveis de passeio e veículos de carga, houve, também, a inédita inciativa de criar um chassi para ônibus com o conhecido pentastar.

Ah, antes que você me pergunte, sabemos que até os anos 70 era relativamente comum ver um ônibus montado sobre um chassis de caminhão, aproveitando-se, para isto, da frente do veículo (cabine sem portas e teto, às vezes até sem a moldura do parabrisas original), como este Dodge D-700 encarroçado pela Caio no modelo Gabriela Andino:

Imagem publicada por Paulo Roberto de Morais Amorim no site Ônibus Brasil

Marcopolo também encarroçou alguns Dodge, à exemplo deste modelo Sanremo ST, praticamente fabricado para o mercado externo, sobretudo latino-americano: 


Imagens localizadas por meio do buscador do Google: avise-me se for o primeiro a disponibilizá-la para divulgar aqui os devidos créditos!

Sabe-se que a fábrica cogitou em 1976 a sua entrada no concorrido mercado de chassis de ônibus, mas, em maio do ano seguinte, a ideia de usar os chassis do D-400, D-700, D-900 e D-950 foi abandonada. Não sem antes pensar em uma solução que parecia promissora: o uso de um chassis para ônibus urbano movido a álcool!

Naquele período, o pessoal da engenharia da Chrysler preparou a plataforma do modelo de caminhão D-900 equipada com um pioneiro V-8 318 alcoolizado e o enviou a cidade de Caxias do Sul/RS para a Marcopolo montar sua carroceria urbana então em produção, o modelo Veneza, cujo resultado podemos ver abaixo:

Imagem publicada por Gilberto Martins no site Ônibus Brasil

Notem que o simpático Veneza era relativamente curto para um coletivo usualmente aplicado no transporte coletivo de passageiros (mas, de todo modo, parece ser maior do que os 5,00m da medida de entre eixos mais longa disponível no catálogo do D-900 e D-950) e em razão do eixo dianteiro avançado, a solução foi aplicar a porta dianteira atrás dele, solução aplicada à época nos chassis Mercedes-Benz LP-1113 e Scania no modelo B-110:

Notem que o veículo experimental foi até mesmo equipado com o posto para cobrador, instalado à direita da porta traseira (imagem do acervo de Jozoilton Souza Lopes publicada no site Ônibus Brasil)

Notem a grade auxiliar para auxiliar o arrefecimento do interessante V-8 que morava na dianteira desse chassis D-900 (imagem localizada no buscador do Google)

O coletivo recebeu as chapas NQ-2610 de São Bernardo do Campo/SP e possivelmente foi utilizado no transporte de funcionários e até mesmo como "mula" para a continuação do desenvolvimento do motor 318 movido a álcool. Mas isso são apenas conjecturas, pois não encontrei referências sobre a vida útil desse interessante Marcopolo/Dodge, especialmente a respeito do que aconteceu após a absorção da fábrica pela Volkswagenwerk. Tampouco sei se outro ônibus assim foi montado...

Porém, há uma remota possibilidade de este modelo (ou de outro idêntico?) ainda existir, pois em 2012 este ônibus transformado em motorhome foi fotografado por Breno Jhonatan na cidade de São Gotardo/MG:

Imagem de Breno Jonathan publicada no site Ônibus Brasil

Digo que há uma remota possibilidade de o Veneza retratado mais recentemente ser o protótipo da Chrysler porque: a) não há notícia de outro chassi Dodge D-900 ter sido encarroçado pela Marcopolo (ou qualquer outra empresa do ramo); b) as dimensões retratadas nas fotos são bastante semelhantes (note que o número de janelas - contando as suprimidas - é o mesmo daquelas constantes no Veneza Chrysler); e, c) o emblema da Mercedes-Benz pode indicar a aplicação de um motor diesel da marca germânica, mas as informações do Sinesp dão conta de que este veículo é um legítimo D-900 fabricado em 1977:


Interessante é que as iniciais da chapa são referentes à sequência que foi atribuída em 1991 pelo Denatran ao estado de São Paulo, circunstância que reforça a origem paulista deste Marcopolo Veneza com chassi Dodge. Vai que esse coletivo ao sair da fábrica - se realmente o ônibus CKP-7037 for o nosso protótipo - permaneceu em São Paulo até ser transformado em motor casa? São conjecturas, apenas...

As lanternas traseiras não são mais originais e o teto foi ampliado para o seu uso como lazer. E o veículo estava em muito bom estado! (Imagem de Breno Jonathan publicada no site Ônibus Brasil)

Talvez nunca teremos certeza de que esse Veneza motorhome antes foi o inédito D-900 movido a álcool; se for, certamente o pioneiro alcoolizado (hoje com motor diesel, ao que tudo indica) está divertindo seus novos proprietários nessas muitas estradas do Brasil...

2 comentários:

  1. A última vez que eu vi um ônibus com chassi Dodge foi em 2008 em Porto Alegre, era um modelo "andino" que também chegou a ser muito usado por repartições públicas durante o regime militar. O que eu vi em Porto Alegre, já em estado de sucata, a princípio pertenceu a alguma entidade subordinada ao Ministério da Saúde.

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    1. Puxa, que interessante! Aqui nunca vi ônibus Dodge, até mesmo os caminhões da marca são bem raros de se ver. Em compensação, os Mercedes-Benz surgem a cada esquina, haha!

      Grato pela visita e os comentários, sempre muito enriquecedores

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