domingo, 3 de fevereiro de 2019

Um luxo só: Willys Itamaraty Executivo (1967-1969)

Quando vejo ou ouço falar de uma limousine (ou limusine, se você prefere o uso do vernáculo), imediatamente penso em um carro comprido, com interior caprichado e altas doses de conforto para os passageiros (ou até mesmo passageiro) que senta atrás, ao contrário do motorista que viaja separado por um vidro e apertado no banco da frente.

As limusines de hoje, além de tais características básicas, trazem um sem-número de traquitanas modernas, luzes ultra coloridas e piscantes, teto solar gigantesco, som alto e fumaça de gelo seco. E outras coisas de gosto muito particular; as de ontem, ao que vejo, eram muito mais discretas, como a primeira (e até agora única) fabricada por uma montadora de grande série: a (ou "o") Willys Itamaraty Executivo.
 
Quantas dessas você já viu na vida? (Fonte: Flicrk, postado pelo usuário "Michel").
A Willys, sempre pioneira, decidiu-se lançar à empreitada de vender a primeira limusine verdadeiramente nacional, o que fez com a parceira da Karmann-Ghia, a responsável pela montagem da carroçaria impecavelmente esticada, de linhas muito corretas e sóbrias.

Lançada em 1967, a limusina poderia ser comprada em duas versões. A standard (código de série 6-1152 S-340), que de básica não tinha muita coisa, já vinha com ar-condicionado (limitado ao banco traseiro, o motorista, coitado, viajava sem refresco) com controle instalado na traseira, bancos de couro (três atrás, no assento traseiro, e mais dois instalados em bancos escamoteáveis laterais), vidro elétrico de separação entre motorista e passageiros de trás, rádio com quatro faixas de onda (não tinha MP3, meu amigo), toca-fitas de cartucho (não, não era cassete), apoios móveis para os pés dos dois passageiros que sentavam nas extremidades do banco traseiro, decoração interna com o uso de Jacarandá da Bahia (inclusive o painel de instrumentos), vidros verdes (chamados de Ray-ban) e uma plaquetinha de prata em que se escrevia "Fabricado especialmente para ...".


Detalhe do Executivo standard nº 01: o estofamento traseiro era Havana; o do motorista era preto. Próximo ao vidro separador dos ambientes nós vemos o console com o toca-cartuchos e os botões do controle do som e do vidro elétrico. Notem, também, os bancos escamoteáveis e os apoios de pé (Fonte: site GT40.com.br)
A Especial (código de série 7-1153 E-340), trazia tudo o que a standard oferecia além de um console fixo no meio do banco traseiro, no qual a Willys instalou gravador Sony (daqueles de fita magnética, servia para ditar cartas ou gravar reuniões ou, ainda, pra tirar onda de magnata), um barbeador Remington Roll-a-Matic (só o caminhão Fiat 190 Turbo, em 1983, trouxe barbeador, casos únicos na nossa história), uma cartucheira (não para guardar projéteis, era pra guardar os cartuchos de música), controles da luzes internas e do vidro separador do motorista e acendedor de cigarros.

Interior da limusine Especial n. 2: notem o console especial, que embutia diversas utilidades, e o estofamento cinza (Fonte: Vrum.com.br)
Mesmo assim, por exemplo, a Limusine comprada para o Governo de São Paulo tinha um teto solar enorme (nº 5).

Cores? Normalmente era pintada de preto, mas, por se tratar de um carro quase artesanal e personalizado, poderia receber qualquer outra. Internamente, o couro poderia ser preto (com padrões diferentes para o pobre e esquecido motorista, se fosse o caso), havana (bege), cinza e branco. 

Quantos foram feitos? Como eles custavam uma fortuna (pense em algo perto de R$ 300.000,00 atuais), apenas 25 foram vendidos (19 standard e 6 Especiais), que se somam aos 2 protótipos produzidos, num total de 27 Executivos. E a maioria deles foram para órgãos especiais, como podemos ver:

Modelo Standard:

Nº 01: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná;
Nº 02: desconhecido;
Nº 03: desconhecido;
Nº 04: Presidência da República;
Nº 05: desconhecido;
Nº 06: Ministério das Relações Exteriores;
Nº 07: desconhecido;
Nº 08: Ministério das Relações Exteriores;
Nº 09: desconhecido;
Nº 10: Governo do Estado da Bahia;
Nº 11: Ministério da Aeronáutica;
Nº 12: desconhecido;
Nº 13: Ministério das Relações Exteriores;
Nº 14: desconhecido;
Nº 15: Governo do Estado de Mato Grosso;
Nº 16: Município de Pelotas/RS;
Nº 17: desconhecido;
Nº 18: desconhecido;
Nº 19: desconhecido;









Estas fotos são da Limusine S-1, que pertenceu ao TJPR; estava à venda na época em que escrevi esta postagem, pelo site GT40.com.br.
Modelo Especial:
Nº 01: desconhecido;
Nº 02: Governo do Estado de Minas Gerais;
Nº 03: Governo do Estado da Guanabara - aparentemente;
Nº 04: Governo do Estado de São Paulo;
Nº 05: Presidência da República;
Nº 06: Governo do Estado do Rio Grande do Sul;

Esta aqui, aparentemente, é a Especial nº 05, em foto de 1967.
E como era a mecânica? Basicamente a mesma do Willys Itamaraty: um motor de seis cilindros com 132 cv (brutos) alcançados a 4.400 rpm e torque de 22,3 Kgf/m a 2.000 rpm, acoplado a uma transmissão de três marchas à frente, acionada por alavanca instalada na coluna de direção. Sem direção hidráulica, o motorista, que viajava apertado na frente (o banco não tinha regulagem), tinha de manobrar a longa limusine de 5,552m de largura, 3,449m de entre-eixos e 1,583 de altura, com peso estimado em 1.684 kg em ordem de marcha.

Como andava? Devagar, estimo que a velocidade máxima era de uns 130km/h (vazia e sem o ar-condicionado ligado), 0-100 km/h em uns 25s e consumo de 4-6 km/l. A manutenção era fácil, o motor era robusto (apesar de não muito econômico) e a carroceria, de modo geral, era muito bem feita, sem sinais de torções ou de barulhos não desejados.

O Willys Executivo nasceu bem na alvorada da era Willys-Overland do Brasil; em 1968 a Ford absorveu a WOB e o carro chefe dela, o Galaxie, era um pesado concorrente no quesito luxo e, talvez por isso, a nova administração não deu mais tanta bola para o luxuoso carro, que teve as últimas unidades vendidas lá no ano de 1969. E desde então, nenhuma outra fabricante de grande série se lançou ao difícil trabalho de montar (e vender) luxuosas limousines neste Brasil.

PS: Sem as informações precisas de José Antônio Penteado Vignoli, certamente um dos maiores (se não o maior) entendidos de Aero-Willys e derivados, publicadas no site Rural Willys, seria quase impossível escrever este pequeno relato de um raro veículo nacional.

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