domingo, 11 de maio de 2014

História do Chevette (1992)

Depois de levar um merecido "puxão-de-orelha" de um atento leitor deste espaço, por conta da demora em falar do simpático sedã da Chevrolet, volto hoje para falar da linha Chevette e das novidades para o ano de 1992.

Vamos em grau de importância, ok? O Chevette DL recebeu uma leve mudança, daquelas que só se percebe depois de ficar um certo tempo analisando: o DL '92 tem encostos de cabeça redesenhados, com formato quadrado e vazado, diferente do modelo 1991, similar ao utilizado pelo Monza e companhia. E só. 

Achar diferenças entre o DL 1991 e o 1992 é quase como um jogo de um erro só... (foto GMC, via Google)
O desenho dos estofamentos, grafismos dos instrumentos e outros detalhes miúdos continuam rigorosamente iguais aos de 1991, exceto as novas cores, novidade tão comum quando um carro conta mais um ano de vida. A Chevy 500 também acompanhou a novidade do sedã. Só mudou mesmo o encosto de cabeça.

Notem a proteção da caçamba em ripas de madeira, algo impensável nos dias de hoje (foto: GMV, via Autoentusiastas)

Porém, se os dois modelos acima mudaram quase nada, ao menos a linha teve uma novidade, o caçula da linha Chevette: o Júnior. De longe, é a versão mais polêmica e a mais criticada (com carradas de razão), mas vamos tentar falar dela sem nenhum rancor no coração.

Vamos voltar dois anos no tempo: 1990. Naqueles tempos, a política de importações foi drasticamente alterada, tempos daquele presidente que chamou os automóveis nacionais de "carroças", inclusive com a redução da alíquota do IPI - o Imposto sobre Produtos Industrializados. 

Os automóveis com até 999 cm³ de cilindrada (assim, no singular) pagavam mais imposto do que os com motor maior - e isso explica facilmente o fato de que os automóveis mais baratos daqueles tempos eram impulsionados por motores de, ao menos, 1300cm³ (Gol, Chevette e Escort 1,6l, por exemplo). A Fiat, lá em 1976, lançou o seu 147 com um motor de 1050cm³ justamente para fugir dessa alíquota mais alta.

Porém, no final de 1990, as coisas ficaram diferentes, de modo que os automóveis com motor de até 1,0l pagariam uma alíquota menor (menos imposto), e a fábrica ítalo-mineira, ligeira que só, tratou de lançar (ou de relançar) o conceito de carro muito popular: o Uno Mille (de um mil, em italiano, justamente a cilindrada, em números arredondados, do motor).

As fábricas nacionais sofreram de sérias dores de cabeça por conta deste carro. (Foto Fiat, via Clube do Uno)

Para tanto, a Fiat pegou seu conhecido motor 1050, reduziu um pouco aqui e alterou um pouco dalí e criou o Mille. A carroçaria é a do Uno S, mais simplificada (bem mais simplificada, em verdade), apenas com o mínimo necessário. Encostos de cabeça, retrovisor do lado direito, ignição eletrônica, transmissão com cinco velocidades, esguicho elétrico do para-brisas, servo freio e outros itens eram opcionais. Um legítimo pé-de-boi dos anos 90.

As outras fábricas não tiveram essa agilidade. A Fiat crescia em vendas em velocidade meteórica no setor de populares, e o Uno Mille caiu nas graças do público. Dê-se mérito para quem tem: a fábrica italiana reinventou o conceito de veículo popular, e fez um tremendo sucesso.

E por isso a Chevrolet ficou numa situação complicada, assim como a Ford e a Volkswagen. Elas não tinham nada para lançar naquele momento, e é de se pensar o quanto que a cabeça dos engenheiros destas fábricas tiveram de trabalhar para criar, rapidamente, uma solução para tentar frear o sucesso do Mille.

A situação na fábrica da gravatinha não era fácil. Posso afirmar, com razoável certeza, de que o pessoal de lá já sabia que o Corsa viria, um automóvel tremendamente moderno, abalaria as estruturas do mercado e seria um justo ensejo para aposentar o Chevette, carro que, apesar de todas as suas virtudes, não era o mais adequado ao mercado dos anos '90.
 
O Corsa, tremendo sucesso quando foi lançado, revolucionou o seguimento de populares (foto: Quatro-Rodas)
O problema, porém, é que o Corsa só viria no começo de 1994, e corria o ano de 1990, comecinho de 1991, e a fábrica precisava de uma resposta urgente. E o Chevette foi convocado para este difícil missão.

O excelente motor de quatro-cilindros tinha margem para aumento/diminuição de cilindrada. Basta pensar que ele nasceu em 1973 com 1,4l e não demorou muito a ganhar mais 200cm³. E a turma da engenharia decidiu reduzir a cilindrada do motor até os 998cm³ do resultado final.

São muitas as tarefas necessárias para reduzir a cilindrada de 1.600 para 998 cm³, mas me arrisco a dizer: a chave-mestra mora na relação diâmetro x curso dos pistões do motor.

[a relação de diâmetro x curso dos pistões no 1,6 é de 82,00 mm x 75,70 mm; no 1,4 é de 82,00 mm x 66,2mm ; e no 1,0 é 76,00mm por 55,00mm]

Um extenso trabalho de engenharia para reduzir a cilindrada, como bem podemos notar. Tanto o diâmetro e o curso dos pistões tiveram de passar por estudos, a coisa não foi moleza. Qual o resultado? Potência de 50cv @ 6.000rpm e torque máximo de 7,2 kgf/m @ 3.500rpm. Ah, para não complicar ainda mais, o 1,0 da GMC (assim como o da Fiat) só era vendido na versão gasolina. Se fosse vendido na versão à álcool, o trabalho seria terrivelmente maior...

Ah, a transmissão foi reformulada, com relações mais curtas e diferencial mais reduzido, para dar maior agilidade ao último automóvel 1,0 com tração traseira produzido no Brasil.

Dessa trabalheira toda, o resultado, apresentado em 1992, foi o Chevette Júnior:



Era um carro com espírito jovem, desprendido, de quem precisava de um meio de condução barato (se é que havia um carro realmente barato naqueles tempos...) e não queria o Uno Mille ou o Gurgel Supermini. A própria Chevrolet, muito honestamente, tratava o Júnior como uma opção e não como uma solução definitiva para o seguimento.

Este é o caçula da família. (foto: GMC, via Carros na Web)
Por fora, era uma pobreza que só. A ausência do friso lateral era muito sentida, deixando um "buraco" na lateral que dói um pouco os olhos (alguns concessionários vendiam, como acessório, o mesmo jogo de frisos do DL, só que com o emblema "Júnior" ao invés do "Chevette DL"). No lugar do útil friso, um discretíssimo adesivo "Júnior Chevrolet" era aplicado nas portas. Descolava fácil se não fosse bem cuidado.

Os para-choques eram os mesmos da versão DL, mas os pneus eram menores (155SR13). Retrovisor do lado direito era opcional... A transmissão com cinco velocidades era disponível, mas com custo extra.

O interior era razoavelmente bom, apesar de simples (foto: Poaparts.com.br)
Por dentro, puxa vida, era uma pobreza: o quadro de instrumentos era do modelo mais antigo, de mostradores redondos, sem o econômetro e o relógio digital. Aliás, nem relógio o Júnior tinha, assim como lavador elétrico do para-brisa (note a bomba de borracha ao lado do pedal da embreagem, só apertar que o esguicho trabalha), fechadura no porta-luvas, alças de apoio, etc, etc. Encosto de cabeça era disponível, mas com custo extra.

A forração dos bancos era de tecido mais simples, bem ao longe do conforável veludo acrílico da versão DL. A forração das portas era semelhante aos dos Chevettes L de tempos atrás. Não era muito confortável, mas não destoava muito do Uno Mille.

Em termos de performance, o bicho era soneca. Só pra comparar: o 1,6  (gasolina) tem potência máxima de 71 cv @ 5200rpm e torque máximo de 12,5 kgf/m @ 3200 rpm. A redução de cilindrada importou em dura perda de potência: vinte e um cavalos. E eles fazem uma falta muito sentida...

Quem gosta do Chevette vê nele um carro bem elástico, ágil, razoavelmente potente e muito divertido de guiar - sensações táteis que o Júnior não tem. O seu desempenho, em termos de números, era semelhante ao do Mille, até melhores (0-100km/h em 21s58 contra 24s62 do Mille; máxima de 131,3 km/h contra 133,0 do italiano - dados da Quatro-Rodas). Porém, se comparados aos do Chevette 1,6... Melhor deixar para lá.

O Júnior era uma opção um tanto quanto emergencial, mas entrou para história como uma opção emergencial bem forçada, com motor visivelmente inadequado à imagem que o carro sempre teve. 50cv de potência não sustentam a visão de carro ágil que ele sempre teve, desde 1973.

Não preciso ir muito além para dizer que o Júnior só durou uma temporada. Em 1993, já era passado. Mas, apesar de suas dificuldades e limitações (até os vidros eram mais finos para tentar aliviar o peso), ele cumpriu o seu papel... e em 1994 chegaria o Corsa, modelo que compensou e melhorou tremendamente a imagem da Chevrolet no seguimento de carros populares.

Somando todas as versões, o número de vendas foi de 29.629 unidades. Definitivamente, não é um número alto; mas, de toda forma, é maior do que o total do ano anterior.

Agora, leitores, com lágrimas nos olhos, estamos chegando ao final. 1993 foi o último ano do Chevette, mas isso é prosa pra outro dia...

3 comentários:

  1. Amigo, quando teremos o capitulo final da história do Chevette, em seu derradeiro ano - 1993? Recentemente completaram-se 22 anos que ele saiu de linha (12/11/1993). Ficamos no aguardo. Abraço!

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  2. Olha eu já não tenho o que falar mal do Chevette pois o meu é um do 92 1.6s a gasolina e e muinto potente e também econômico fazendo na média 12 o litro na cidade com carburador 2z a álcool de fábrica e ele já fala por si só aliás Chevette e Chevette e não troco o meu por nada ...

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  3. Hoje é quase impossível achar um Junior sem descaracterizações, e a bem da verdade mesmo com as limitações hoje me parece que foi um tanto injustiçado quando lembramos da Towner e daquelas imitações da Suzuki Carry importadas da China, que também não são nenhum foguete mas não sofriam tanta cobrança por desempenho porque o público reconhecia nelas uma vocação essencialmente utilitária.

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