Eu gosto muito de automóveis antigos, como vocês já perceberam. Isso é até óbvio para todos que me conhecem: eles sabem que os veículos que se movem pelos próprios meios me encantam desde a primeira infância, até mesmo antes dela.
Vai daí o motivo pelo qual não espantei ninguém ao dizer que comprei um Chevette SL 1988, história que passo a contar para vocês a partir de hoje, em todos os detalhes, inaugurando uma nova série neste espaço (e que pretende ser bem longa): as aventuras de ter (e de guiar) um Chevette SL '88.
Tudo tem um começo, e dele falo agora: o meu sedã era de um amigo nosso aqui da região, o Jonas. Encontrei-os em um anúncio na internet e após uma breve vistoria constatei que o Chevy era muito interessante.
O exemplar, que veio da região de Parobé/RS (certamente onde foi emplacado pela primeira vez) é um SL "básico", pois nem sequer conta com o desembaçador traseiro elétrico, mas tem ar-quente (desativado) e a quinta marcha. Configuração original de fábrica, como o número do chassi atestou numa rápida consulta e que é incomum, sobretudo por causa do motor, um 1,6/S gasolina, numa época em que era mais fácil encontrar um Chevette a álcool e com mais acessórios.
A pintura (vermelho mandarim, como informou o amigo Lé0), está um tanto gasta, mas aparenta ser a de fábrica. Os vidros também são os mesmos de 1988 (inclusive com o número do chassi gravado neles, coisa que o modelo 1988 normalmente não tem), como também são os frisos, logotipos e para choques. Bem originais e conservados.
O "não-original" fica por parte das rodas de 14 polegadas (mas com o charme da calotinha do modelo DL), do revestimento dos bancos foi trocado pelo do Mille ELX (mas o tecido está bem gasto, por isso instalaram capas protetoras), e das forrações das portas, que não são mais as bege que vieram nele (acho que pintaram de preto, porque vejo ao fundo o bege original). E o silenciador, do tipo esportivo, não era exatamente silencioso. Nem muito original.
Quanto à carroçaria, encontrei pouca ferrugem: dois focos no porta malas, sem gravidade. Tem um remendo no assoalho (lado do motorista) e há indícios de que a folha da porta do motorista já foi trocada. E uns pipocados na saia traseira direita. E só. Nada dramático ou assustador. Só o normal para um carro de trinta anos de uso, detalhes que o Jonas me mostrou prontamente quando fui ver o Chevette pela primeira vez.
E antes que alguém pergunte, eu digo: sim, ele vaza óleo pela junta da tampa que esconde as válvulas e o comando delas. É um Chevette real, da vida real, normal deixar vazar um pouco de lubrificante...
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O sedã, mesmo estacionado entre carros mais modernos, não faz feio. Tem um desenho interessante e é delicioso de guiar. |
A negociação foi tranquila, rapidamente alcançamos um denominador comum. Fechar o negócio não foi nada difícil: afinal, o Chevette estava bem cuidado e bem íntegro, com documentação rigorosamente em dia, características cada vez mais raras... Jonas cuidou bem do carro e não foi difícil me encantar pelo sedã.
A compra foi fechada numa sexta-feira; no sábado eu já fui pra estrada. Afinal de contas, automóveis são feitos pra rodar, e é rodando que se conhece o carro... Fiz um "tiro curto", 170 km (ida e volta) da minha casa até Nova Trento, simpática cidade catarinense que abriga o santuário da Madre Paulina (a religiosa ítalo-brasileira Amabile Lucia Visintainer, canonizada em 2002).
Deixarei de fazer maiores considerações sobre a cidade porque este espaço não é um guia de turismo ou de viagens e/ou experiências gastronômicas (raramente tiro fotos de lugares e tenho apetite de avestruz, sem muitas restrições ou exigências); digo apenas que gosto muito da cidade. Sempre que vou lá penso na vida e nas coisas importantes no silêncio das capelas que ladeiam a catedral principal. E em Nova Trento se come muito bem por um preço muito bom. Recomendo fortemente a visita.
Depois desse péssimo e conciso serviço turístico, volto ao tema principal, o interessante Chevette: uma delícia de guiar! Filhinhos, não se assustem com a ideia de um volante torto (lado esquerdo mais perto do painel do que o direito), pois a posição de guiar é muito boa. Câmbio em excelente posição, pedais razoavelmente instalados (meus pés 42 às vezes se perdem no curto caminho entre o freio e a embreagem), direção precisa e macia (honestíssima), embreagem fácil e um motor valente.
Não o belisquei o sedã nas curvas, até porque eu estou começando a pegar amizade com o carro. Seria falta de educação com ele chegar e querer fazer manobras estrambóticas antes de saber se o Chevette está a fim de fazê-las. Carro tem de curtir com calma, aos poucos, pra não se arrebentar a toa! E já fiz umas estripulias com meu primeiro carro (Um Mille Economy), um kart nas mãos de quem quer andar rápido, já dei vazão ao meu lado piloto há tempos...
Mesmo numa tocada mais conservadora, pude sentir que o bicho é equilibrado (ainda mais com os pneus aro 14), tanto que um Chepala 2,5 deve ser uma coisa de outro mundo! Mas o 1,6 original dá conta do recado, só não ter preguiça de trocar marchas e de pisar no acelerador com sabedoria e vontade.
Falando do tema, a alavanca do câmbio é dura quando o carro está frio, mas uma dupla-embreagem resolve o defeito crônico. Sério: basta premir o pedal, jogar em ponto-morto, pisar novamente e a marcha desejada entre fácil. Outro macete: pra quem não acha legal esperar um pouco para a primeira marcha entrar, basta chamar a segunda primeiro, a primeira entra mais fácil. E mesmo sem macetes, não é nenhuma tragédia manejar a transmissão com o carro desaquecido. Só é meio duro, muito mais do que o meu Fiesta moderno.
Quando quente, só erra a troca de velocidade se não prestar atenção, porque a caixa é precisa e justa. A embreagem está se soltando aos poucos (o carro ficou muito sem fazer grandes passeios), mesmo assim é progressiva. Dá pra sentir quando o torque do motor começa a fazer as engrenagens do diferencial trabalharem. Visibilidade ótima, freios precisam de revisão (pedal tá baixo), mas são coerentes.
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Tem uma pequena marca de colisão na traseira, nada grave, só desalinhou a tampa e obrigou a troca da lanterna traseira direita. São marcas do tempo, apenas. |
Claro, ele tem alguns problemas para resolver: a) má regulagem do carburador (coisa do primeiro estágio, pois o segundo está bem, obrigado), que manda o consumo para patamares de Opala; b) uma válvula do quarto cilindro está fazendo barulho (desreguladíssima); c) pedal do freio está baixo (talvez o servo-freio precise de aposentadoria) e; e) a junta da boia do tanque deixa pingar combustível. São defeitos, eu sei, mas são coisas tão pequenas em relação ao carro que nem me abalei com tudo isso.
Sim, meus amigos e minhas amigas: carro antigo é curtição, é pra se sujar de Car 80 e de desengripante, um carro perfeito custa muito caro e não dá a diversão presenteada por um que precisa de alguns reparos. Não, não é loucura: eu acho divertido procurar pequenas peças, sujar as mãos ao regular as válvulas, comemorar quando achar uma peça de menos de dez reais e que ninguém tem pra vender e visitar ferros-velhos atrás de detalhes que só você enxerga.
Meu Chevette, além de um veículo, é uma higiene mental, um psiquiatra de quatro rodas, uma curtição. Se você não tolera se sujar ou aguentar ruídos altos ou um pouco de desconforto, melhor nem pensar em ter o seu carro antigo...
Enfim, hoje é o primeiro de muitos capítulos desta história, aos poucos vou contando a vocês como é ter um Chevette SL. Posso adiantar que, apesar de alguns desafios, é uma experiência bem legal.