Imagine que você precisa distribuir os produtos de sua empresa numa região central de uma cidade de grande porte. E para dificultar um pouco as coisas, o trânsito desse lugar não é dos mais fáceis e há restrição para veículos maiores (comprimento e peso por eixo); mesmo sem a proibição do tráfego de um cargueiro maior, algo que as outras cidades vizinhas não têm, não compensaria ter um caminhão com capacidade de 4t de carga para deslocar as 2t ao longo de um trajeto de 90km diários.
Opções, por certo, não faltariam, até mesmo elétricas. Mas aqui é um blog que teimosamente se dedica aos veículos antigos e por isso o exercício de imaginação vai mais atrás no tempo, mais precisamente no começo de 1980. A hipotética empresa precisa distribuir 2t de carga com entregas fracionadas em vários pontos, e como seu chefe sabe que você gosta e entende de veículos, pede soluções para resolver o problema.
E elas não eram tão fáceis. A Fiorino já existia, mas precisaria de ao menos quatro delas para levar toda a carga, nessas horas o chefe torceria o nariz, pois há o custo de operação de uma frota de picapinhas: quatro motoristas, quatro ajudantes, quatro seguros totais, quatro despesas de licenciamento e tudo mais, não seria opção. E as demais picapes, como a Pampa, Saveiro e Chevy 500 eram apenas exercícios de imaginação, não eram vendidas.
Bem, um Fiat 80, Dodge D-400 ou Mercedes-Benz L-608 suportavam mais carga do que seria preciso, fora o custo deles representar uma grande imobilização de capital não desejada pelo chefe. Ah, você poderia indicar o Furgão Invel, mas o patrão faz cara feia ao lembrar da falta de agilidade da mecânica VW a ar em um veículo que leva mais de uma tonelada nas costas. A F-1000 levava apenas metade da carga, a D-10 a mesma coisa, Dodge D-100 era só uma vaga lembrança no mercado de usados e ao fim se decidiu por comprar duas Kombi para as entregas.
Bem, o exemplo não é real, mas o vácuo entre a F-1000 e a F-4000 existia; certamente por isso, a Ford trouxe um novo produto, a F-2000, um meio-termo pensado em satisfazer o consumidor que, como no exemplo acima, precisa de algo mais do que uma F-1000 (e bem mais do que uma F-100 ou a já antiga F-75) e algo menos do que um F-4000, sem pensar em soluções de outras marcas.
E a novidade veio ao público em 1980, aparentemente o ano em que este catálogo, divulgado pela Anfavea, foi impresso para os potenciais clientes: notem as semelhanças com a F-4000, exceção feita ao eixo traseiro de rodado simples a justificar a menor capacidade de carga, além, é claro, das necessárias modificações nos sistemas de freio e assemelhados para atuar sob uma nova realidade:
A novidade era mesmo uma novidade, tanto que mereceu a capa de julho de 1980 da revista Transporte Moderno, cuja reportagem, cortesia do acervo digital da Editora OTM, vamos aqui mostrar:

O preço era até convidativo - a fábrica indicou que posicionaria o F-2000 em uma progressão de preços entre o menor F-1000 e o maior F-4000 - mas a reportagem indicava claros sinais de que a ideia, apesar de boa, não era exatamente o que o mercado pedia: o ideal mesmo seria um furgão mais compacto, sem perda de área de carga em razão do desenho da cabina, pois as se cargas eram até leves, a capacidade de deslocar máximo volume é muito importante, diria essencial.
Mas como não se tinha outra opção - nada sequer parecido com os furgões integrais que rodavam no estrangeiro, úteis e muito difundidos - era adequado prever que a escalada de preços ajudaria muito na decisão de investir em uma opção na medida das necessidades e do quanto se precisava investir. Poderia dar certo, esperava-se que daria. Não foi o caso.
Acontece que a vantagem do menor curso inicial não perdurou muito: já em março de 1982 a Transporte Moderno, ao ouvir as impressões dos compradores da F-2000, recolheu críticas também em relação ao preço, pois a vantagem financeira já não era mais tão atrativa assim:


Acontece que com o correr do tempo a vantagem do preço da F-2000 sobre a irmã maior sumiu. Para a gente ter uma noção, naquele mês de março de 1982 a diferença dela para a F-4000 era mínima, sem as vantagens intrínsecas de um veículo de quatro toneladas. Poderia até ser que o comprador não precisasse de quatro toneladas de capacidade, mas não fazia tanto sentido economizar alguns cruzeiros para ter um veículo que poderia carregar mais carga, eventualmente, com mais liquidez no momento de revenda.
Não era por falta de qualidade ou por uma desvantagem de projeto, mas não posso deixar de dizer que melhor seria se a F-2000 viesse como um furgão integral, insisto. E a ideia seria a repetição de uma ideia antiga, pois lá em 1970 a Brasinca atendeu à encomenda de uma unidade fabricada sob a modificada base da F-75, mas a ideia não passou de um único protótipo:
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| Imagem da revista Manchete, via página do Museu do Automóvel Brasileiro - MAB, do Facebook (recomendo a visita!) |
E é claro, não posso esquecer da Furglaine, obra da Souza Ramos, que providenciou a instalação de uma carroçaria furgão para múltiplos usos (inclusive em um interessante ônibus), essa que não tinha um custo muito contido (até pela produção em menor série), mas mostrava claramente o potencial da plataforma F-2000 em um desenho mais compatível com as necessidades de quem transportava muito volume e nem tanto peso, tal como se pode ver do presente catálogo:
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| Tenho há anos essa cópia digital do arquivo, não lembro onde o obtive, então se você foi o responsável por divulgá-lo, por favor me avise para eu agradecer a disponibilidade e dar os devidos créditos. |
A questão era o preço, infelizmente a F-2000, em termos financeiros, não compensava tanto. E não foi por falta de tentativa, pois a Ford não desistiu dela, tanto que frequentemente ela aparecia em anúncios da linha Ford, como este do ano de 1983:

E a F-2000 também recebeu o propulsor da casa, um legítimo Ford Diesel de orgulhosa origem dos tratores da marca, um tanto raro nos dias de hoje ante a sabida e muito comprovada qualidade dos MWM de então:
Apesar de todos os esforços, a F-2000 teve uma vida muito discreta, apesar de não ser um produto ruim: em seus cinco anos de produção, vendeu exatas 5.284 unidades (298 em 1985, último ano), ao passo que a F-4000 teve neste mesmo período a impressionante produção de 130.859 cópias (7.499 só em 1985). Sim, a mais leve vendeu uma fração do que a mais pesada alcançou.
Para se ter uma ideia, os Fiat 70 e 80, de uma faixa de mercado aproximada, alcançaram a produção total somada de 6.756 veículos. Ainda conforme a edição de março de 1986 da Transporte Moderno, fonte de tais dados, a F-2000 somente vendeu mais do que a Dodge 400 gasolina em seu seguimento, esta que teve apenas 4.732 produzidas, quase tudo para exportação (a versão D-400 diesel teve mais êxito com suas 9.634 fabricadas). Se a F-4000 foi um sucesso, a irmã menor passou longe disso.
O artigo aqui é dos mais breves, até porque não temos aqui a intenção da definitividade sobre nada. Mas do que vimos até agora, a falta de sucesso da F-2000 em seus cinco anos de produção se deveu apenas por uma questão de custo-benefício. Pena, pois ela poderia ser promissora. E você, o que pensa a respeito?