Quando alguém menciona a fabricante Magirus-Deutz (absorvida pela Fiat e que deu origem à Iveco), certamente se lembrará dos veículos de combate a incêndios; os caminhões projetados para resgates em situações difíceis foram empregados aqui no Brasil por longos anos e viraram sinônimo de auto escada mecânica. Se alguém ver, por exemplo um Volvo portando uma escada para salvamento em alturas, é muito provável que diga que se trata de uma "escada Magirus".
Hoje, porém, vamos além dessa fama (merecida) para falar da inciativa da fabricante alemã aqui no Brasil. Sim, a fabricante lançou no final de 1967, já como modelo 1968, quatro modelos: U-1014-1/1 (chassis curto para ônibus urbanos, com entre-eixos de 5,00m); U-1014-12/1 (chassis longo para urbanos, com distância entre os eixo de 5,73m); URL-1014-12 (chassis rodoviário para rodoviários, 6,00m de entre-eixos) e o RL-1014 (plataforma rodoviária com 6,00 de entre-eixos). Os três primeiros permitiam o uso de carroçarias autoportantes (o ônibus monobloco, que se ajusta ao chassis) e o último era uma plataforma mais convencional, para encarroçamento típico (justaposição às vigas do chassis). Todos tinham o mesmo motor de 135cv de potência e usavam pneus 900x20 de doze lonas, diagonais.
O motor em todas era instalado na traseira e merece destaque pelo fato de ser arrefecido a ar. Sim, era o propulsor F6L de seis cilindros, quatro tempos, 8.723cm³ de cilindrada e os já citados 135cv de potência a 2.300rpm, com torque de 51 mkg a 1.200 rpm. Acoplado a uma transmissão de seis velocidades (todas sem sincronização, seca), não fazia feio se comparadas a outras plataformas. Sim, 135 cavalos de emoção...
Hoje seria inconcebível um ônibus rodoviário com motor traseiro e menos de 200cv, mas naqueles tempos, só o chassi B-76 da Scania-Vabis chegava perto disso (tinha 195cv DIN) Os O-321da Mercedes Benz contavam com motor OM-321 de de 110cv (norma DIN) - só os O-326 receberam o motor OM-326 mais reforçado de 180cv (DIN), então a potência do Magirus não era exatamente ruim, nem muito brilhante. Na média, portanto. E com um urro único, pura degustação automotiva...
Mas o sucesso não foi o forte da Magirus-Deutz, ao contrário das auto escadas mecânicas: em 1972 a fábrica nacional foi vendida para a Cummins, esta que logo tratou de acoplar seus motores aos chassis até então produzidos, mas essa é outra história... Fato é que lembro de ter visto algumas imagens de época de ônibus com plataformas da marca (não sei se alguma sobreviveu original aqui no Brasil), mas até então não tinha maiores informações sobre como era rodar numa delas.
No máximo imaginava que a mecânica arrefecida a ar não deve ter feito sucesso em razão das dificuldades com nosso clima, como também percebia que na Argentina a fábrica teve bem mais sucesso. Bem mais, inclusive. E as ideias gerais sobre essa plataforma quase esquecida foram em boa parte substituídas por informações mais sólidas quando li a avaliação, feita pela equipe revista Transporte Moderno para a edição de dezembro de 1968, cuja íntegra tenho o prazer de apresentar aos amáveis leitores deste espaço (cortesia da Editora OTM, que teve a louvável inciativa de disponibilizar a todos os entusiastas todas as suas edições):
Se você conhece a revista Motor-3, vai reconhecer quem está ao volante do Ciferal Flecha de Prata Sim, é o JLV, que na ocasião fazia parte da equipe de testes da Transporte Moderno. |
As informações sobre custos operacionais hoje tem apenas um efeito de curiosidade (tivemos diversas alterações no sistema monetário e uma inflação ridiculamente alta desde 1968), mas a impressão geral de que a plataforma Magirus-Deutz não era tão mais cara ou dispendiosa do que as demais. Possível que o seu motor arrefecido a ar - o que tinha de mais diferente - não foi exatamente um fator de sucesso (se bem que a Cummins trocou os propulsores, novamente sem sucesso). Nem tudo dá certo nessa vida, claro, mas bem que poderia ter sobrado ao menos um pra contar a história...