domingo, 27 de fevereiro de 2011

Vídeo da Semana


Um vídeo pra lembrar da nossa saudosa Gurgel. Ah, como seria bom ver uma empresa automotiva 100% brasileira fazendo sucesso por aí...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

A crise e os Dodges

Hoje vamos falar de algo inevitável para todos: a morte. Afinal, é verdade que todos um dia se vão... E com os automóveis a coisa não é lá muito diferente. Nossos amados Dodges morreram em 1981, há quase três décadas. Antes que alguém me pergunte se foi de morte morrida ou matada, já adianto: foi um pouco de cada, como já bem sabemos. E não foi à toa que os ferros-velhos ficaram abarrotados com os carrões daqueles tempos, inclusive os nossos amados e idolatrados Dodges...

Tudo começou a acabar (?!) em 1973. Estava tudo tão lindo, tão mágico e perfeito no mundo automotivo. A gasolina era farta, e era despejada nos tanques dos carros a preço módico. Mas...

Nos EUA a situação também foi dificil, tanto que não foram raros os períodos de desabastecimento. (foto: vivercidades.org.br)
A tão comentada crise do petróleo foi desencadeada por um aumento repentino- e expressivo- do preço do óleo. Imagine-se nesta cena: você, dono de um carro que percorre poucos quilômetros com 1000 ml de gasolina, chega ao posto e vê que o preço quadruplicou em um curto espaço de tempo. 

O paroxismo do problema chegou em 1977: já pensou chegar ao seu posto de confiança  pagar Cr$ 7,00 (R$ 5,78) por um mísero litro de gasosa? Este era o preço (devidamente corrigido) da gasolina em 02/1977:
 
A economia era a principal preocupação daquela época: afinal, descobriu-se que o petróleo não era infinito (foto: reprodução da capa da Quatro-Rodas nº. 199, de Fevereiro de 1977)
Façamos as contas: para encher um tanque de 62 litros do Dart era necessário pagar Cr$ 434,00 (R$ 358,36). Considerando uma média global otimista de seis quilômetros por litro, percorriam-se 372 km com este valor. (Hoje, se eu abastecesse num posto concorrido que tem por minhas bandas, o tanque de 62l do Dart me custaria algo em torno dos 149 mangos...).

Aí o fenômeno da desvalorização foi inevitável, e os preços não demoraram muito pra despencar... Um Dart 1970 novo custava NCr$ 25.338,00 (R$ 105.299,19 corrigidos pelo IGP-DI da FGV). Dez anos depois o Dodge 1970 usado custava menos de Cr$ 23.000,00 (surreais R$ 5.689,10 corrigidos pelo IGP-DI da FGV). Em termos mais diretos: o carro teve seu preço quase VINTE vezes menos do que valia enquanto novo...

Se servir de alento ao leitor indignado, lá vai: a desvalorização atacou todos os carros full size de nosso mercado, quer seja novos ou usados. Nacionais ou estrangeiros. Qualquer carro que fazia menos do que 6 ou 7 km/l era tachado de beberrão, tornando-se obsoleto, até ultrapassado.

Já os pequenos eram valorizados (ou menos desvalorizados, dependendo do ponto de vista): um Volkswagen Sedan 1300 1970 custava Okm NCr$ 12.671,00 (R$ 44.491,16 ). Dez anos depois o mesmo Fusca 1970 custava aproximadamente Cr$ 40.000,00 (quase R$ 10.000,00). Descontando “os quase”, o Dart 1970 custava a metade do que valia um Fusca...

Os tempos eram outros: em 1980, um Fiat 147 standart zero custava Cr$ 140 mil (R$ 34.629,32) - um pouco mais do que valia um R/T de 1977! Golpe de misericória: um R/T 1971, da primeira leva, custava menos de CR$ 40.000,00 (quase R$ 10.000,00). Tempos difíceis.

A Dodge não ficou inerte perante o mercado, e passou a se preocupar com a economia. Com a linha ’76, a Dodge matou vários modelos que não vendiam tanto (como, por exemplo, o Dodge SE e o Dodge Gran Cupê). Sem falar no fuel pacer system, inovação de 1974:

Economia à vista: sinal dos tempos... (foto: reprodução anúncio Chrysler do Brasil- dodgenews.com.br)
O tal do pacer system não era exatamente um economizador, mas um mecanismo que apontava os excessos que o pé direito impunha ao pedal do acelerador. Era como aquele amigo chato que adora dar sermão sobre as calorias enquanto nos servimos exageradamente numa churrascaria rodízio, traquitana com função de dedo duro, como se disesse "se fizer menos de cinco com um litro não diga que não avisei..."

Em 1977 a Chrysler tratou de deixar o Charger R/T menos exigente na escolha do combustível:  o fabuloso 318PS, o V8 do bicho, passou a se alimentar com gasolina comum ao invés da cara - e demasiado escassa - gasolina azul. No ano de 1979 vieram as tão famosas alterações de estilo, que deram uma renovada na linha, além de um detalhe interessante: os tanques passaram a ser de 107 litros, algo muito desejável numa época em que os postos fechavam nos finais de semana. Sim, os postos fechavam nos finais de semana...

Mesmo com as alterações, os Dodges foram lentamente mortos pela VW. Para bem da verdade, as vendas estavam ruins, números magros que não estimulavam muito - a VW queria mesmo era fazer caminhões, como sabemos.

Mas, também é verdade, os carros da Chrysler mereciam um final mais digno... Os últimos eram “marcados” com o sinete da VW Caminhões ao invés do pentastar. Em 1981 usaram os revestimentos da linha Volks- e as cores também. Tempos difíceis...

Como era barato ter Dart naquela época (foto: Heitor Hui/QR)
Nosso mestre Expedito Marazzi escreveu, lá em setembro de 1980, uma reportagem sobre os carrões sem valor; e o Dart Cupê 1972 (com frente do modelo 1975) estampou a reportagem. O dono ofereceu o Dart por simbólicos Cr$ 15 mil (R$ 2.277,92) e disse que pagou módicos seis mil cruzeiros (R$ 987,10!) pelo carro. Outro anúncio, que transcrevo abaixo, é triste, mas não menos interessante:
“Vende-se por CR$ 38.000,00 (R$ 5.770,73) um equipamento de som da marca Bosch em perfeito estado de conservação. Acompanha um Dodge Dart branco, ano 1974, com motor e pintura em bom estado”
Foto: Heitor Hui/QR
Pelo que se vê, nossos Dodges morreram sem muita pompa, não eram heróis naquela época de petróleo caro... E sabe como é, meus amigos: a desvalorização foi muito cruel com o preço do carro inteiro, mas não com as peças de reposição. Muitas vezes o preço dos equipamentos (rodas de liga, equipamento de som, ar-condicionado) valiam mais que o carro!

Logo, era economicamente mais vantajoso desmontar um Dodge e vendê-lo aos milhões de pedacinhos do que fazer um reparo mecânico. Apesar de contar com uma mecânica forte, qualquer motor precisa de manutenção. E as autopeças na década de 80 não eram nada baratas - outro fator que pesava muito àquela época.

Tal situação demorou muito para acabar. Hoje um Dodge é perfeitamente colecionável, e valem todos os esforços para trazer um bom Charger R/T ao estado de zero-quilômetro, no tempo em que a gasolina era farta - e a diversão também.