sábado, 2 de outubro de 2010

Populares até demais: os pés-de-boi da década de 60

O automóvel nacional na década de 1960 estava na moda. Embora não fosse um produto para todos os bolsos, ainda mais numa época que a produção não como na escala atual, o veículo nacional despertava curiosidade.
 
Quem não tinha dinheiro apelava para o mercado de usados importados - o que nem sempre era tão interessante. Afinal, carro usado não era necessariamente sinal de negócio bem feito- e a possibilidade de adquirir um auto maltratado por estradas de terra e donos inábeis e descuidados não era muito estimulante. Numa época em que as trocas de óleo ocorriam aproximadamente a cada 1500 km rodados, comprar um carro com motor em estado bom era quase como ganhar sozinho na loteria.

Por isso, o jeito era fazer muita economia, mesmo que fosse à custa de muito aperto nos escassos ônibus da época. E a instabilidade política da época contribuía com a retração no mercado automobilístico. Quem tinha dinheiro pra comprar carro ficava receoso, e que não tinha não comprava mesmo...

Em tal cenário, as principais fábricas da época começaram a pensar num carro barato, um que pudesse atender àqueles que não poderiam pagar pelo zero quilômetro, mas tinham uma enorme disposição de tê-lo. Logo, então, começam a surgir os carros pelados, verdadeiras provas de que a redução de custos pode ser cruel.  Donos de Gol Special, Gol 1000, Uno Mille, Celta 1,0: seus carros são palacetes móveis se comparados aos carros de outrora.

O capitalismo é muito cruel e muito racional: para reduzir o preço do produto (sem dar prejuízo ao produtor, evidentemente) era necessário cortar gastos. E foi o que aconteceu, por exemplo, com a Vemaguet Caiçara em 1962. Ela foi a pioneira no conceito de carro pelado, antes mesmo da onda de produzir carros mais simples, onde o que importava realmente era a redução do preço.

Mas a redução de custos foi crudelíssima: nada de roda livre, pára-choques cromados e marcador de nível de combustível. Só havia duas opções de cores: bege ou azul claro, ambas com interior vermelho (lembrando, ao menos na cor, o saudoso Passat LSE “Iraque”). E por falar no interior, as forrações das portas eram feitas de eucatex. Tudo muito simples, até demais, para um carro O km!

 Na foto a espartana Caiçara. (Foto Best Cars Web Site)
Assim como ocorre hoje, o automóvel era um forte sinal de status social- e era frustrante ver que o carro do vizinho era mais bem equipado... Por isso muitas das Caiçaras eram modificadas para que parecessem com a Vemaguet, verão mais cara e bem acabada perua DKW. Nobless Oblige.

Até a Simca foi nessa onda de economia: logo chegou o Simca Alvorada, mais tarde nomeado Profissional. Era um Chambord bem simplificado, com todos os detalhes de luxo suprimidos- e com o revestimento em Eucatex, a exemplo dos ônibus da época. Seu nome já dava uma ideia de sua verdadeira vocação: nasceu pra táxi, principalmente por ter preço baixo, fez a alegria de muitas praças.

O Alvorada, apesar da simplicidade, ainda mantinha as belas linhas do Chambord
O Profissional, se comparado ao Simca Presidence- o topo de linha - mais parecia um humilde camponês ao lado da majestade.O Presidence, que já esbanjava seu luxo em seu nome, tinha acabamento primoroso, kit continental na traseira e até um minibar instalado no descansa-braço. O Profissional sequer tinha marcador de gasolina...
 
Presidence: Um luxo só! (Fotos Simca: carroantigo.com)
Aparências à parte, não demorou muito para que as outras montadoras surgissem com seus carros pelados. Em 1966 a Volkswagen suprimiu o mais que pôde no seu já simples sedã: tirou os cromados dos pára-choques e das calotas, retirou os frisos cromados; sumiu com o mecanismo que basculava o vidro traseiro, aquecedor e ventilador internos, luz interna, cinzeiro e etc... Retrovisor externo? Sumiu também... A economia também afetou itens importantes como o marcador de combustível, as alças de segurança e a trava de volante. Nem a borracha do pedal do acelerador escapou... Não por outro motivo que o sedã franciscano ganhou o singelo nome pé-de-boi...
 
Pé-de-Boi: só o que era verdadeiramente indispensável permaneceu (foto: Best Cars Web Site)
Mas, apesar dos minguados 36 cavalos, o sedãzinho ia bem. O saudoso Expedito Marazzi testou um destes na época do lançamento- e gostou:
"Ao contrário do que se possa imaginar, apesar do preço mais baixo, o Pé-de-Boi é melhor que seu irmão vestido: tem menos coisas pra encrencar". 
A simplicidade tinha lá as suas vantagens: desprovidos do peso extra dos acessórios suprimidos, os pelados andavam um pouquinho mais que os irmãos vestidos por conta do peso a menos, o que favorece a relação peso-potência- e o desempenho. Nada muito forte, é verdade, mas é um consolo para quem nem sequer tinha um mísero espelhinho retrovisor.

A exemplo do Citroën 2CV, o pé-de-boi tem uma vocação para o campo de nascença... (foto: reprodução de anúncio)
Por fim, o mais pelado dos pelados, em minha modesta opinião: o Gordini Teimoso. Não, meus amigos, este carro não era recalcitrante: esta versão ganhou este nome por conta de um teste de resistência aplicado pela Willys.

Na época o Gordini não tinha fama de resistente, e por conta disso ganhou o apelido de Leite Glória “porque desmanchava sem bater”... Por isso a Willys decidiu botar um Gordini na pista de Interlagos e fazê-lo rodar 50 mil quilômetros. Lá pelas tantas o carrinho sofreu um acidente, onde sofreu avarias na carroçaria por conta de uma capotagem. Na base da fé e de muitas marretadas o Gordini voltou à prova- e chegou ao seu objetivo. Em homenagem ao feito, a versão mais simplesinha ganhou o nome “Teimoso”.

Teimoso: a quase insuportável simplicidade de ser (foto: gordini.com.br)
Chamar o Teimoso, lançado em 1965, de “versão simplesinha” do Gordini é forçar a barra, pois esta versão era extremamente mais simples que um carro padrão da Willys.

Assim como a Caiçara (renomeada  Pracinha em 1965), o Teimoso tinha um plano de financiamento no qual a Caixa Econômica Federal fazia um financiamento em condições de pai pra filho. Mas o que a Caixa tinha de generosa a Willys, ao fazer o Teimoso, tinha de avara: lanternas traseiras, marcadores de gasolina, tampa do porta-luvas, revestimento do teto, luz interna, forração do porta-malas, cromados dos pára-choques e calotas, frisos decorativos, luzes indicadoras de direção, retrovisor externo, cinzeiros, não existiam.

O interior despojado do Teimoso: repare os bancos e o acelerador "de rodinha" (este comum à toda linha)- Foto: dauphinomaniac.org
Os bancos dão a dimensão da pobreza: eram apenas uma armação tubular onde era fixado o revestimento de courvin. Apesar da precariedade, segundo a crítica especializada, eram confortáveis (será mesmo?).Não ao acaso o Teimoso era o mais barato popular da época. Ao menos os 40 cv brutos do motor sofriam menos para levar os frugais 680 quilos do carro. Magro, mas andava um pouco melhor que seus irmãos mais privilegiados em relação aos equipamentos.

Apesar das vantagens econômicas, estes carros logo saíram de linha, não permanecendo mais que dois anos em produção. Os que saíram das fábricas foram equipados e modificados para que parecessem com os irmãos luxuosos, pois, afinal de contas, carro era status e ninguém põe banca de rico com carro pobre... Porém, a história de carro pelado não desapareceu de nossa indústria, a julgar pelos populares lançados ao longo da história.

8 comentários:

  1. Embora uma austeridade por vezes excessiva desagradasse ao público generalista, de fato um aspecto interessante dessa medida foi uma variação considerável entre faixas de cilindrada, desde o Teimoso com um motor menor que os dos 1.0 atuais quanto o Simca com o V8.

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    1. Exatamente!
      Imaginemos hoje, por exemplo, um Jetta com para-choques sem pintura, rodas de aço, sem ar-condicionado e o "trio elétrico", penso que não seria um sucesso, hehe.

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    2. Uma estética mais austera, sem chegar a sacrificar o conforto, até poderia ter alguma demanda. Seria algo muito específico, mas a meu ver rodas de aço estampado e parachoques sem pintura ainda podiam atender bem a frotistas e até taxistas. E considerando que o ar condicionado acabaria sendo imprescindível, vidros elétricos também poderiam ir para o abate.

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    3. Lembro da versão Confort da linha Vectra/Astra e Zafira, eram mais básicos sem passar vexame, como aliás era o Omega e Suprema GL, exemplos interessantes da Chevrolet que, apesar de não representarem um retumbante sucesso de vendas, são válidos até hoje.

      Aqui vejo alguns Jetta servindo como taxi, principalmente em Floripa, uma versão sem supérfluos cairia bem nesse público.

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    4. Já andei num Jetta táxi em FLN mesmo, um que ficava no ponto do shopping Beiramar.

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    5. Esse eu não cheguei a anda, mas lembro de ter ficado muito surpreso em vê-lo no serviço de táxi. Acostumado aos Uno e Corsa sedã, um Jetta é um carro e tanto!

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  2. Boa tarde! Por gentileza,existe alguma matéria sobre o Aero Willys popular ?

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    1. Não me recordo de ter lido algo sobre o Aero-Willys em uma versão mais simples, mas vou fazer umas pesquisas nesse sentido, se localizar posto no blog, grato pela visita!

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